Muito pensei sobre o que tu me dissestes
Também muito senti pelo que da tua boca ouvi
Creio eu que compreendo ou compreendi
O que por ti foi mencionado ali.
Melhor dizendo, penso até que reconheço
O sentimento narrado por tu que fez de ti um lastimado
Digo isso, penso que seja, porque além de conhecer esse infortúnio
Também estou fadada a não mais ser por ele deixada.
O pesar se estende em nossas vidas, creio, porque o que em nós habita
Nunca chamamos ou pensamos em sentir o que nos propiciaria alegria no dia-a-dia
Tanta dor somada em nossos corações sem possibilidade alguma
De revivermos momentos escassos de crença e contentamento.
Tu, homem, como me dissestes, estás a se sentir tão só
Por todos, como também falastes, foi de frente atravancado
Não perceberam, sequer repararam com quem lidavam
Um rapaz que cresceu carente e pela vida sempre foi desamparado.
Posso te dizer que sim, sinto-me assim
O mesmo fizeram comigo
Aconteceu aqui, cá, comigo devagar
Fez com que eu me transformasse em outrem
Sei não, sabe-se lá, quem.
Ceguei para os lados
Ceguei para o mundo
Ceguei para o riso
Sozinha tratei de abraçar
Um cansaço que teima em me acompanhar.
Cansaço esse explico melhor:
Ora, sempre e até esse momento me senti também muito só
Ora, sempre e até esse momento me senti também tão vulnerável
Esquecida de apreço e de abraço
Desacolhida pela vida fui, bem sei,
E também por todos que conviviam comigo
Todos que estavam ao meu redor
Isso fez-se cansaço, homem, cansaço só.
Saibas, rapaz, que minha cabeça navega em demasia
Dela abstraio tudo por todos os dias
As dores e as lástimas que criei ao longo do tempo,
Sim, somei sim
Numa armadura transformei
Medida de defesa, penso, por mim requerida
Nomeei-a de melancolia
Talvez, às vezes penso, que até poderia
Tê-la elevado um pouco mais
Quem sabe, próxima à alguma ternura?
Foi essa, foi essa sim
Essa mesma que criei em mim
Maldita, recorro agora a ela dessa forma
Afinal pelas minhas costas me traiu
Pois, enquanto eu pensava que seguia um caminho
Onde encontraria um lugar assobradado
Para bem me instalar
De fato, caminhava eu, estúpida,
Por ela guiada, do lado avesso
Levou-me a um lugar onde nada desfrutei
E, jamais, como meu canto reconhecerei.
Após algum tempo vivendo assim
Constatei que não havia caminho de volta
O percurso, esse que buscávamos
O revés do que nos foi imposto
Por ninguém foi desenhado
Também não detém uma placa
Indicando o caminho de volta às nossas casas.
Quem dera fosse somente isso, simples assim,
Mas não, é mais, vai além, tu sabes bem
Entendes que nossas vidas a nós não mais pertencem
Tiraram-nas com alavancas e fizeram-nas despedaçadas.
Essa vastidão solitária e desacompanhada
Será seguida e de perto por uma mão bem vigiada
Sim, eles todos se assegurarão
De que não intentaremos percorrer a contramão.
Peço desculpas se te aborreço
Afinal viestes a mim algo confidenciar
Mas, explico porque pus-me a falar
Não tenho com quem minha vida ninar.
Por fim, nós dois sabemos bem
Será assim para sempre, sem mais ninguém
Tu a viveres em teu canto apoquentado
E eu a desfrutar desse lugar
Tão amplo e solitário
Que me foi, desgraçadamente, arranjado.
Termino aqui, dou partida
Porém, tenho algo mais a te dizer
Não sinta, ninguém na verdade sente
Que a vida possa ser ou parecer um desfrute
Capaz de honrar a qualquer ser
Pequenos potes de prazer.
A lástima está impregnada
Uns enxergam e outros seguem tão cegos
Esses e os outros por mim citados
Um dia também haverão de conhecer
O juízo que alguém acredita ter o poder
De às vidas estender.
Fique bem
Fique contigo
Olhe para dentro
Percebas em ti quem tu és
E para sempre, a partir de agora,
Sabes que tu serás
Teu único e fiel abrigo
O único a se doar
Um pouco de amor ou amar.
Quanto a mim para continuar vivendo
Sem mais tentar seguir me enganando
Servir-me-ei disso que lhe falei
Servir-me ei do mesmo que a ti mencionei.
Adeus rapaz
Adeus homem entristecido
Fecha a porta da frente
Cobre-te com lã para que assim
Fiques tu bem aquecido.
Sigo eu um pouco menos tomada
Pela fadiga a mim destinada
Essa que a ti mencionei
Não pensei em escondê-la
Não conseguiria, somente eu,
Impor-me frente a frente
Para finalmente, iludida eu sei, detê-la.
Adeus homem crescido
Serás tu teu único e fiel amigo
Peço-lhe algo, caso permita-me,
- Deseje-me que eu possa também
Ser fiel ao meu ser sem mais ninguém.
Amém.
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