O caminho...

Intento, ainda acanhada, entregar-me às letras, sílabas, palavras, frases e o que se pode obter dessa junção. Coisa linda a mistura das palavras.


Sempre fui encantada pela nossa Língua e tive a oportunidade de ter como mentora, na antiga quinta série, a professora de LP Maria Alice.

Seu saber e envolver a todos nós, seus alunos, fez-me, literalmente, apaixonar-me por uma mulher aos onze anos de idade

Paixão platônica, pueril, inocente e verdadeira. Nascida da admiração do saber e ir além fazendo os outros também participarem desse conhecimento espetacular, quanto se trata de se entregar à Língua Portuguesa.

Vivo pelos cantos, tanto internos quanto externos, de caderneta em punho e caneta entre os dedos. Do nada, vejo uma imagem ou ouço uma palavra perdida num bar e dali parto para uma história vinculada à alguma vivência minha, da infância difícil até a executiva promissora, e me abro para o mundo das letras.

Meus dedos percorrem rapidamente a caderneta anotando o que me for possível trazer à tona, num momento posterior, de pura entrega, dedicar-me a misturar palavras, ritmos, sentidos, além, de uma boa dose de singularidade.

É assim que construo sem pressa meus poemas, versos, sonetos, também minhas crônicas, prosas e contos.

Foi a poesia que me salvou de me destruir na minha mais pura e insólita melancolia.

Foi a poesia que me salvou de mim mesma, impediu que eu ultrapassasse a linha da imaginação e fosse para algum lugar nunca antes visitado.

É a poesia, o verso, a magnitude da construção literária que me mostram quem realmente sou.

Oras posso valer até um milhão, mas sei tão bem que não valho sequer um tostão.

Humana sou.

domingo, 20 de janeiro de 2008

Choro em vão do meu coração: O pedido que não saiu - Para ti Chamusca

Tive vontade de pedir para que não fosses.

Tive vontade de implorar, não vá, fique, por favor, aqui ao meu lado.

Queria te pedir pra me tirar desse casulo, desse quarto, desse canto onde me estabeleci e passo a maior parte dos meus dias refletindo sem comer, sem dormir, sem saber nada de mim.

Queria que me fizesse um pouco feliz.Sabe felicidade momentânea, espontânea, rica?

Preciso dela. Não há espaço para negligenciá-la agora. Faz-se tarde.

A busca tornou-se exaustiva, estou cansada.

Ao perceber que irias, mesmo tendo alegado chuva, tempestade, vendaval e nada o deteria, roguei a Cristo, roguei à toa.

Fica, por Deus, fica aqui. Preciso de um deus diante de mim.

Que te custa?

Cuida da pipoca, cuido do filme. São cento e oitenta títulos. Decerto ainda não viu algum.

Depois podemos ler abraçados, lado a lado, no tapete encarnado da sala, enquanto nossas bocas se procuram sedentas. Enquanto meus pés resvalam nos teus.

Música? Há de fazer-se ouvir, sem pressa, sem medo, sem receio, sem interferências seguindo a cumplicidade do respeito individual e glorioso do que cada um aprecia.

Adquiri o hábito de interessar-me por aqueles que estão sempre em fuga.

Seja fuga de si que acaba refletindo em mim.

Não me faça pensar que não há saída.

Os meninos? Ah os meninos. Não corres risco algum.

Não me faça crer que nosso porão é oco.

Não me faça acreditar que não valeu a pena, não me faça rastejar, não me maltrates com tua indiferença.

“Deixo-te antes para que não me deixes depois. Sofro menos. Essa é a dor de quem não encara uma partida”.

Tu agüentas, bem sei. Quantas vezes me pus longe e ficastes a esperar sem espanto, sem temores, sem receio.

Nenhuma dúvida a torturar teus pensamentos ingênuos.

A dor do esquecido consome também quem a esqueceu.

A dor do esquecido dilui aquele que a viveu.

A dor do esquecido, meu amor, nesse momento, sou eu.

Assusta-me a rotina do dia-a-dia, logo eu, tão desvinculada desses princípios, tão dona do meu nariz, tão senhora das minhas horas.

Tão desprendida. Mas, sinto, não há como mudar. Não mais agora.

Não vejo como retroceder. Fiz-me assim.

Mas, pensa comigo: Assim me encontrou e quis, assim me conquistou. Assim me perpetuou na tua carne.

Sou como gostas e precisa. Encaixo-me nas tuas medidas.

Sigo amando aquilo que revelastes pra mim...

Confessado,

No filtro amarelo do cigarro Hollywood, quando não Marlboro.

Nu,

Perante a Portela – Enredo de samba – Puro carnaval – Eu a rir de ti.

Cruel,

Perante meus desejos incertos, insaciáveis, translúcidos.

Obcecado,

Nas suas viagens junks tão esporádicas quanto profundas. Obcecado pela minha inteligência. Pelo nosso complemento, pelo nosso composto, pela tequila varando madrugada.

Libertino,

Na medida daquilo que anseio e preciso.

Maltrapilho,

Vestido com um sobretudo rasgado, furtado? Quê importa?

E, maltratado pela violência do perdão que não veio.

Tua presença faz-se mais necessária do que tudo, agora.

Tua presença transforma-se em luz, não te olvida.

Vê? Chega a iluminar aquela casinha, mais precisamente o quarto dos fundos, detrás dos morros esverdeados.Por cima dos fios dos postes perdidos.

Tua ausência é você atravessado, sobreposto a mim.

Tua presença é poder revelar, não esconder a minha existência.

E fazer com que tu me enxergues.

Estou aqui, olha, sou eu, anunciando-me pra ti.

O que fiz para merecer tal sentença?

Se eu fosse diferente tu não me quererias.

Se eu fosse diferente jamais despertaria tua curiosidade ou interesse.

Se eu fosse diferente teu amor não me abarcaria.

segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

Luiza Laura e Laurinda



Encontro-me com ela
Pequeno começo estabeleço
Um momento a sós – só nosso -
Junto à esquina daquele farol
Brigadeiro com Consolação.

" Tamanha indiscrição a sua
Meta-se com tua vida
Prurida fantasia modesta e fria
Pequena prolongada
Nada refinada."

Bota medo, bem sei
Àqueles que ainda não foram
Correm o risco de perderem-se
Pelas vilas lidas ladainhas.

- Ignora,
Típico de gente
Bem gentinha
Quase um nada
Um nadinha.

Encontro-me com ela
Estabelecemos outro momento – só nosso -
Eu a pedir - Roga por ti
Quanto a mim, esqueça
O momento abençoado é todo teu
Trague-o

Por mim não desafies nenhum rancor
Não atormente
Nem transforme
Veste-se de seu minúsculo pudor.

Diferente do começo, lembro bem
Principiou tão curiosa quanto banal
Na cara espelhava
Transtorno ventania vendaval

-Mas é ela quem se levanta
À noite, pra fazer o mal?

- Que mal?
Por isso deixou-a assim,
Perplexa, sozinha amedrontada
Numa rua pequena encruzilhada
Maleta em punho empunhada?

Saiba, foi naquele momento
Viu-se inteira
Aos pés do chão abandonada
Diferente dos becos das tuas ruelas
Desafiando teus ecos pela goela

Alegoria de gente,
Bem gentinha
Chorando calada sozinha
Sem pensar em melhorar
Ser melhorzinha.

Nesse momento
Dói-lhe a barriga a cabeça
Suas mãos denunciam medo
Os pés estão úmidos gelados
Grudados ao lado do pequeno coração roubado.

Mas é na garganta da minha canção
Que te vejo na contramão
Diriam, tens aí uma canção vestida
Encontrada justamente pela menina desavisada
Durante sua estreita estadia.

Novo encontro estabelecem
Fez-se outro momento a sós - mais um entre nós -
Melhor se comparado aos outros
Outrora denunciados
Há até um pequeno luar na saia bem guardado.

Viu-se na tua lua esbranquiçada
De pó empoeirada
De calma acalmada
De azul bem azulada.

Fizeram-na podre sem calor
Teimosa em adormecer durante o dia
E acordar somente nas madrugadas

Recorda-te,
Em minhas mãos permeiam suas mãos vazias.
Roga perdão
- Implora ao teu coração!

Mais uma vez elas se encontram
Novo momento - outro a sós -
Duas confusas, tal como nós.

- Cuida,
Há vômito na geladeira
De pó tanta poeira

- Repara,
Recebestes um luar esbranquiçado
A ti todo doado
Enquanto não me acostumo
Eu retardo.

Sei que mereço menos do que já faz
Mas há espaço
Doa-te um pouco mais.

Com tua lua luazinha - branca esbranquiçadinha
De calor acalorada
De medo amedrontada
De branco enviesado
Eu? Louvo o preto ao cinza avivado.

Teu pequeno medo tornou-se desajustado
Transformou-se em choro desavergonhado
Chora bem
Chora calado
Choro imundo
Empoeirado.

Lá, na beira, mar estiva tua dor
Por pouco, quase nada,
Não te dou outro valor.

Por menos, fiz-me sozinha
Correndo pelas calçadas
Os pés descalços
As havaianas largadas.

Imploro teu ponto final
Abono o momento abjeto
Soubesse, juro,
Percorria contigo outro trajeto.

- Mas e dela, alguém ainda se lembra?

Perdeu-se, foi embora
Levou as sobras mal agouradas
Roga paz recebe nada
Pede amor simulam paixão

Quanto a mim penso em suicídio
Por outro lado, hei de confessar,
Por ela morreria sem nada carregar
Só assim ,entre nós, outro momento haveria.

Mas,é em teu destino que ela se faz febril...

- Agora não!
Cala
Ouve a poesia - pequeno regalo -
Atirado na sala pelo hall de entrada.

Pelas brechas ainda te vejo rodopiar
Rodopias curto bem devagar
Pena, a partir desse momento não te vejo mais
Acabou, maltratastes minha imunda paz.

Dividida fico eu como miolo de jornal
Nado na chuva desavergonhada
Procuro um caminho seco
Mas só vejo o da frente largueado

A neblina? Tempestade baixou
Abriga-me e pensa
Encara tua efêmera dor?

A mim, sei, doaria um coração embalsamado
De desapego desapegado
Não anseie galanteios, não por hora,
Esse momento é dessa senhora.

Mesmo sem alimento e sem cozinha
Ainda é de cata-vento
- Venta a vadia -
Agora, menos enjaulada

É noite, não parou de dia
- Vai menina
Descansa sossegada
Fico a espiar tuas passadas
Ouço ranger os dentes, confusa

Faço deles suave melodia
A parte que faltava
Da minha biografia não autorizada.

- Ei-lo
Está morto
Decompôs-se
Puro desgosto

Ao acordar
Levanta-te logo
Procura tua cama
Mamãe aflita cedo te chama
Em desespero há de gritar
- Levaram teu corpo
Não se sabe ainda quem.

Novamente sozinha
Procuro um outro raro e velho bem
- Ei-lo
Morto amortecido
Quieto encarecido
Feito anjo louro endiabrado.

Resta agora seu som sobre o meu
Essa, já não sou mais eu
Fiz-me alvo de ninguém.
Tornei-me refém.

- Ei-la
Está viva e embalada
Pela preguiça amparada
Despida e embebida
Coitada, rechaça.

Rezou,
Chorou,
Cremou o corpo nu
Disso tudo fez um culto.

Jaz morto,
Não alivia dor
De quem nasceu atravessado
De lado, quase um finado,
Digno como qualquer outro rejeitado.

- Espera,
Não terminei
Cuspiu no retrato da própria filha
À sua propriedade agora reduzida.

Nada mais a abala
Segue quieta perante a ida
Alcançou
Com laço laçou
Arrematou
Apoderou-se
De sua corrente sangüínea.

Como és bela,
Melhor, fez-se linda!

Conto: A playboy da Sheila Carvalho

Táva os três largadão no quintal da casa do Juca quando o Afonso - isso é nome de adolescente? – Sacou de puxar história pra gente rir um pouco.

Não tinha mais as bitucas do cigarro do pai, o véio sacou que eu tava limpando cinzeiro com o beiço, começou a jogar na privada. Não tinha nada pra beber, adolescente precisa de manguá.

Porra, meu, não tô vendo nem Ki-suco... É foda, viu?

Juca saiu com essa:

- Então conta daquela vez que o teu tio Af (Afonso) se mijou no metrô.

- Nem ôh... O coitado tá mau pra caralho... Fala aí de quando cê cagou na Calça, Elvis (Elvis sou eu, o próprio). Minha mãe fez o favor de me abençoar - ela fala que abençoou - com esse nome, nunca perguntou pro meu pai. Os dois se bicam até hoje porque ele não curtia o som do cara – nem sei qual é óh – E a safada – da minha mãe - não pensou que eu ia ser gozado pra caralho na escola, no futi e pagar mó mico com as mina. É foda, viu?

– Conto e daí, tenho vergonha não, óh...
Vamo lá: Juntei a grana do lanche pra comprar a revista. Demorou pra caralho. Seu Vicente, o da banca, liberou. Fui felizão pra casa.

- Deitei cedo, nem esperei terminar a bosta da novela – minha mãe é quem gosta - quer que a gente assista tudo junto – É foda, viu?

- Subi, escovei os dentes, troquei a roupa e peguei a Sheila, oh mulherão, tá louco, não tem pra ninguém...

- Deitei todo feliz, pronto pá dá uma boa gozada, sujar até o lustre, depois limpava.
Af interrompeu pedindo o final.

- Se liga oh Af deixa ele contar...

- To com as cueca no joelho, preparadão, é foda, viu? Ela entra... Enfiei a Sheila na bunda, sentei nela. Esqueci a porra da porta aberta... É foda, viu?

– Filho você subiu antes, está tudo bem?

- Tô com sono (se manda, oh, mãe...).

- Pode ser virose. Vou tirar a febre – nem eu me ligo mano que ela ainda faz isso – É foda, viu? Pegou a porra do termômetro no banheiro, voltou.

- Pensei: Se eu abaixar o cobertor ela vai vê que a cueca tá pra baixo...
Nem pensei duas vezes... Ela chegando eu soltei um puta fedorento, mano, a vizinhança toda sentiu, ela, então, deu meia volta e saiu rapidinho a intrusa:

- “Já volto, isso são modos?”.

Foi o tempo deu acomodar a Sheila na bunda, esconder bem, deitar nela e, É foda, viu? vi que o fedorento soltou mais que barulho soltou bosta e ainda na cara da Sheila, puta mano que que é isso mano, deu mó nojo, peguei o saco do lixo – sorte que tava vazio – enfiei a Sheila com a bosta e joguei pela janela.

- Agora é que é...

- Quer ouvir Juca? O mulamba do cachorro da vizinha olhou pro saco, pegou o saco, rasgou e saiu com a Sheila de merda latindo feito doido.

- Ela voltou e foi ver a barulhada da janela.

- Ué, que será que o Dong tem? Tá parecendo doido com papel na boca, girando pra lá e pra cá.
- Sei não... – É Foda, viu?

O puto do dono bateu lá embaixo, o pai reclamou e abriu, o puto do dono do Dong me viu jogar e foi falar com a mãe. Tava fudido. – Nem tinha conseguido tirar a Sheila da boca do cachorro – maldito dono – pior o cachorro.

Dono e Dong: - Dona Ana, eu vi, foi seu filho...

- Não seu Alfredo. O que é isso?

- ‘Que é isso’ foi o Dong latindo e mandando a revista pra testa da mãe.

Carimbão de merda. Fudeu geral.

- Nem vi mais nada. Subi rapidão... Falou que passou mó vergonha e eu tinha que ter um castigo adequado – falou assim mesmo – um mês sem dinheiro pro lanche, sem vídeo-game e sem playboy pra dar uma pimba sozinho... Ah, bosta de história. O Juca tua mãe saiu, pô, pega umas breja do teu pai lá pra gente.

Juca voltou com três latinhas de Brahma – tiradas do freezer, geladas!

- Adolescente é essa bosta, né: Fuma bituca do pai, bebe cerveja do pai dos outros e se fode porque precisa dar uma pimba. Não vejo a hora de sair dessa porra.

- De onde, que porra? Af, o lerdo perdido.

- Porra da adolescência, pô... É foda, viu?

domingo, 6 de janeiro de 2008

Conto: A Consulta

Recolhida no canto direito da cama sentiu seu corpo emitindo ondas de choque. Precisava ir ao banheiro instalado a uns seis passos dali, porém, acovardada, não ousava.

Temia que ao se levantar a agitação física - inoportuna e intrusa - aumentasse levando-a de encontro ao belo tapete branco estendido sob o piso de madeira.

De raiva iniciou nos dedos dos pés uma compressão rancorosa apertando-os com tanta força o que favorecia a cabeceira da cama se debater contra a parede num barulho agudo e irritante.

- Maldição - balbuciou.

Essa foi sua primeira palavra do dia e de horror àquela situação, bem como a todo o restante que estava por vir.

Num exercício frenético pôs-se a segurar a urina, contraindo, ao máximo, o abdômen. O medo sobrepunha à vontade de urinar. Por outro lado sentia a bexiga prestes a alagar o colchão e ainda exalar um odor asqueroso emporcalhando sua última muda de lençóis.

- Era só o que faltava - pensou em voz alta - repelindo a idéia de molhar-se toda ali mesmo.

Atentou novamente para seu pensamento. Aquietou-se: Havia necessidade de se concentrar em outra coisa - não sabia o quê – isso lhe daria um pouco mais de tempo até o primeiro comprimido do dia fazer efeito e conduzi-lá ao toalete.

Ingerira-o há quase quarenta minutos tempo suficiente para manifestar-se, todavia nada. O frenesi insano persistia, percorrendo cabeça, barriga, braços, pernas e pés.

Ocorreu enfiar outra cápsula goela abaixo. Bastava abrir a gavetinha do criado-mudo acertar a embalagem e pimba.

Sua garrafinha d' água, verdadeira e fiel companheira, tanto dela quanto do criado, estava a postos facilitando a intenção de apoderar-se da segunda pílula.

- Maldição - retornou a palavra num sussurro.

O desejo de expelir a água amarelada misturava-se agora a necessidade de dar vazão aos alimentos sólidos ingeridos no dia anterior.

Como de costume comera pouco, mas mesmo esse pouco buscava uma forma de desprender-se de seu organismo.

Mijar já não era prioridade. Inundar os lençóis transformara-se em algo pequeno perante a infeliz coincidência, comumente, denominada de 'Tipo Dois'.

Estranhava não falar cagar ou defecar. Considerava as palavras feias além de remetê-la ao que via na privada antes de puxar a descarga.

Quanto à expressão cocô jamais: NEM EM PENSAMENTO.

– Gargalhou, imaginando: - Adultos fazendo cocô. Adultos infantilizados. Adultos dementes. Adultos em-merdados.

Assim, num determinado momento da vida, não sabia mais qual, optou por utilizar a expressão ‘tipo dois’.

Obviamente só mencionava caso alguém lhe perguntasse o porquê da demora, mesmo considerando tamanha indiscrição acrescida de falta de educação.

-Tipo dois. (Filho d’uma puta curioso).

Deu um suspiro infundado e dirigiu os olhos ao criado. Foi quando percebeu que os choques haviam parado.

Enfiou-se, agora, num outro exercício de dúvida e questionamento: Conhecedora de seu organismo acreditava que ao colocar-se em pé voltaria a senti-los.

- Maldição!

Deu de cara com sua descrença. Suspeitava do corpo como quem suspeita da existência de um ser maior, sim, na mesma medida e proporção.

Passara por situações constrangedoras, não poderia desconsiderá-las a ponto de confiar num primeiro recado físico.

Decidiu-se pela segunda drágea. Melhor certificar-se por completo.

O pensamento na drágea fê-la desprezar, por segundos, a praga da urina e o infortúnio 'Tipo Dois'.

Voltou a perceber a desventura física quando o intestino enviou sinais mais agressivos, por meio de sons estrondosos, vazados pela barriga.

Assentou-se e abrigou-se nos travesseiros encostados na cabeceira da mísera cama barulhenta.

Foi quando experimentou a sensação de ter um buraco no estômago, é como um vão, não, enfureceu:

- Fome!

O suspiro, agora engasgado, apresentou-se novamente numa atitude de total reprovação às necessidades biológicas.

Todavia, considerou: - Se os choques haviam findado – a posição sentada confirmava - era o momento de aproveitar e fazer tudo que a apoquentava:

- Mijar, cagar e comer (nessa seqüência).

Pensou novamente na merda. Não lidava tranqüilamente com a idéia de todos os dias, numa típica via sacra anal, ter mais essa obrigação de caráter intestinal. Infeliz. O organismo, prá lá de fraco, presenteou-a com uma diarréia constante, fazendo com que a água do vaso sanitário não alcançasse os espirros jorrados debaixo da tampa.

Enfim, era MERDA sobre M E R D A!

Olhou novamente o criado e furtivamente abriu a gavetinha. Acertou de primeira. Retirou o comprimido e apropriou-se, claro, de mais uma dúvida:

- Um ou dois? – Pergunta implexa.

Como medida de precaução e resposta à questão optou por ingerir dois, desviando qualquer possibilidade das sensações físicas voltarem a atormentá-la. No total, somariam três comprimidos ingeridos em menos de uma hora o que certamente poderia levá-la a uma outra grandiosa e definitiva MERDA!

Glub, glub.

Voltou à posição anterior. Cobriu-se nervosamente com o edredom de malha vermelho, companheiro diário e fiel, escorregou o corpo na cama alternando o costumeiro.

Pôs-se a contemplar a parede branca, rente a porta, ansiosa por colorir. Saboreou um gosto levemente salgado nos lábios. Mecanicamente, lambeu-os.

Adormeceu devaneando num arco íris imaginando qual cor a parede acolheria melhor. Sonhou com um verde-água, cor de mar muito sereno, quando ambiciona seduzir alguém:

- Verde água. Decisão tomada.Feng shui rejeitado.

Com tanto pensamento envolto em tanta merda, não poderia ser diferente, perdeu o horário da consulta.

Melhor assim: Já estava cansada daquele repeteco semanal e de todo o blá blá blá Freudiano.

quinta-feira, 3 de janeiro de 2008

Pensamento: Eu?



Ando meio cansada de ser quem deveria, tenho sido o que esperam de mim, não quem realmente sou.

Cegos. Não percebem quanto sofrimento já me causaram?

Infiltraram-no facilmente em minhas veias, agora quero saber quem vai remover.

Sou fraca. Disponho-me a ser o que desejam.

Trato minha personalidade de forma leviana.

Não sou digna de possuí-la. Engano-a.

Essa é a vida a qual me acostumei.

Será sempre esse o meu caminho?

Espero que a morte me acolha e me embale.

Somente ela poderá me devolver a quem sou.

Resposta (em tempo)

Ontem, miseravelmente, aflita e agoniada
Buscava o revide, implorava um contra-ataque
Por essa alma maldita – imposta-me por um alguém - não sei quem -
Indicando-me passagens minúsculas e perigosas
Pelas madrugadas gélidas e enevoadas

- É esse o preço a pagar?

(Perguntei mesquinhamente dorida)

- Esse mundo a mim foi aludido
Encontra-se pobre e desamparado
Um misto de estilhaços podres entrecortados
Não vê? Fizestes um mundo apartado
Perderam-no sozinho e tristonho
Hoje, responde por Renegado
Ouve! Ainda há dúvidas soltas e espalhadas
Simploriamente deixadas de um outro lado

Foi quando zuniu:

“- Eis os fragmentos e as sobras
Os restos das vias e das valas
Enlaça tuas regalias - serão somente essas -
Não espera mais nada”

- Mas logo eu
Um ser tão diminuto
Ausente de fé religião parentesco ocupação
Batizaram-me ponto confuso
Denominam-me frágil e carente
Além, de deveras doente

Caí sobre a cama

(Infame é a pergunta que não cala!)

- É esse o preço a pagar?
Por desfrutar dos brados alheios
Suplícios que nem são meus - doeu -
Por comprazer-me em páginas vazias
Pautadas e, a mim, destinadas

- Que esperas de mim?

(Antes, por favor, dá-me um copo d’ água!)

Mais próximo ecoou:

“- Às vezes resposta não vem
Pode acontecer de vir devagar
Pensas que não as tem
Por não existirem
Quão indolente tu és - saiba, conheço-te bem!
Resposta espera hora e
Merece lugar.”

Nesse momento rente ao final
Uma senhora idosa e intrusa
Pairou na minha frente e ecoou quase inaudível – pude escutar –

“- Tola não há valor
Tola não se avalia
Carrega contigo o que é teu
Não te ausentes
Nem mascare a tua dor!”

(Apressei em perguntar)

- Vó!?

Arregalei-me diante de seus olhos negros e úmidos
Fitando-me através dos meus bem encharcados
Acuados porém, despojadamente, não desviados

A idosa e intrusa fincou pé, não arredou
Espaçou-se diante de mim
Então, num gesto longo e acalorado, acudiu-me

(Eu sorvida aos pés de um momento tão vil quanto ordinário)

Ao minha face secar
Desfrutei de seu afeto plácido e delicado
Em seguida ela, grandiosa, meus cabelos, pôs-se a embaraçar

(Suspeitei, claro, sou feita de dúvidas!)

- Logo eu acarinhada?
Essa a quem chamam desnorteada
Afligem-se só com o meu formato
Quieto, calado e apaziguado

Foi quando em obediência a seu mandado
Repousei minha cabeça sobre seu colo e
Adormeci quieta, retraída e amparada


Hoje, dentre a manhã ensolarada
Alguém gritou, do lado de lá, da minha calçada

(Sórdida e levianamente banalizada)

“-Toma!
Não era esse o momento postulado
Vem e aprazia-te
Eis - em minhas mãos - tua resposta
Agora segue teu caminho
Não te afugentes
Compõe-se eficaz
Assenta-te e varre o mundo
A ti, miseravelmente, ofertado
E, ao mesmo tempo, carecidamente sangrado”.