O caminho...

Intento, ainda acanhada, entregar-me às letras, sílabas, palavras, frases e o que se pode obter dessa junção. Coisa linda a mistura das palavras.


Sempre fui encantada pela nossa Língua e tive a oportunidade de ter como mentora, na antiga quinta série, a professora de LP Maria Alice.

Seu saber e envolver a todos nós, seus alunos, fez-me, literalmente, apaixonar-me por uma mulher aos onze anos de idade

Paixão platônica, pueril, inocente e verdadeira. Nascida da admiração do saber e ir além fazendo os outros também participarem desse conhecimento espetacular, quanto se trata de se entregar à Língua Portuguesa.

Vivo pelos cantos, tanto internos quanto externos, de caderneta em punho e caneta entre os dedos. Do nada, vejo uma imagem ou ouço uma palavra perdida num bar e dali parto para uma história vinculada à alguma vivência minha, da infância difícil até a executiva promissora, e me abro para o mundo das letras.

Meus dedos percorrem rapidamente a caderneta anotando o que me for possível trazer à tona, num momento posterior, de pura entrega, dedicar-me a misturar palavras, ritmos, sentidos, além, de uma boa dose de singularidade.

É assim que construo sem pressa meus poemas, versos, sonetos, também minhas crônicas, prosas e contos.

Foi a poesia que me salvou de me destruir na minha mais pura e insólita melancolia.

Foi a poesia que me salvou de mim mesma, impediu que eu ultrapassasse a linha da imaginação e fosse para algum lugar nunca antes visitado.

É a poesia, o verso, a magnitude da construção literária que me mostram quem realmente sou.

Oras posso valer até um milhão, mas sei tão bem que não valho sequer um tostão.

Humana sou.

quinta-feira, 3 de janeiro de 2008

Resposta (em tempo)

Ontem, miseravelmente, aflita e agoniada
Buscava o revide, implorava um contra-ataque
Por essa alma maldita – imposta-me por um alguém - não sei quem -
Indicando-me passagens minúsculas e perigosas
Pelas madrugadas gélidas e enevoadas

- É esse o preço a pagar?

(Perguntei mesquinhamente dorida)

- Esse mundo a mim foi aludido
Encontra-se pobre e desamparado
Um misto de estilhaços podres entrecortados
Não vê? Fizestes um mundo apartado
Perderam-no sozinho e tristonho
Hoje, responde por Renegado
Ouve! Ainda há dúvidas soltas e espalhadas
Simploriamente deixadas de um outro lado

Foi quando zuniu:

“- Eis os fragmentos e as sobras
Os restos das vias e das valas
Enlaça tuas regalias - serão somente essas -
Não espera mais nada”

- Mas logo eu
Um ser tão diminuto
Ausente de fé religião parentesco ocupação
Batizaram-me ponto confuso
Denominam-me frágil e carente
Além, de deveras doente

Caí sobre a cama

(Infame é a pergunta que não cala!)

- É esse o preço a pagar?
Por desfrutar dos brados alheios
Suplícios que nem são meus - doeu -
Por comprazer-me em páginas vazias
Pautadas e, a mim, destinadas

- Que esperas de mim?

(Antes, por favor, dá-me um copo d’ água!)

Mais próximo ecoou:

“- Às vezes resposta não vem
Pode acontecer de vir devagar
Pensas que não as tem
Por não existirem
Quão indolente tu és - saiba, conheço-te bem!
Resposta espera hora e
Merece lugar.”

Nesse momento rente ao final
Uma senhora idosa e intrusa
Pairou na minha frente e ecoou quase inaudível – pude escutar –

“- Tola não há valor
Tola não se avalia
Carrega contigo o que é teu
Não te ausentes
Nem mascare a tua dor!”

(Apressei em perguntar)

- Vó!?

Arregalei-me diante de seus olhos negros e úmidos
Fitando-me através dos meus bem encharcados
Acuados porém, despojadamente, não desviados

A idosa e intrusa fincou pé, não arredou
Espaçou-se diante de mim
Então, num gesto longo e acalorado, acudiu-me

(Eu sorvida aos pés de um momento tão vil quanto ordinário)

Ao minha face secar
Desfrutei de seu afeto plácido e delicado
Em seguida ela, grandiosa, meus cabelos, pôs-se a embaraçar

(Suspeitei, claro, sou feita de dúvidas!)

- Logo eu acarinhada?
Essa a quem chamam desnorteada
Afligem-se só com o meu formato
Quieto, calado e apaziguado

Foi quando em obediência a seu mandado
Repousei minha cabeça sobre seu colo e
Adormeci quieta, retraída e amparada


Hoje, dentre a manhã ensolarada
Alguém gritou, do lado de lá, da minha calçada

(Sórdida e levianamente banalizada)

“-Toma!
Não era esse o momento postulado
Vem e aprazia-te
Eis - em minhas mãos - tua resposta
Agora segue teu caminho
Não te afugentes
Compõe-se eficaz
Assenta-te e varre o mundo
A ti, miseravelmente, ofertado
E, ao mesmo tempo, carecidamente sangrado”.

Um comentário:

Anônimo disse...

Pois é Gil, como diz o Eclesiastes “há tempo certo para tudo debaixo do sol.” – Tempo para perguntar, tempo para entender – “Resposta espera hora e Merece lugar.”
Quando conhecemos as misérias do mundo, não as enxergamos a toa, visão critica é um privilégio e uma responsabilidade. Privilégio, porque poucos enxergam, responsabilidade – porque essa visão é uma vocação – vocação existe para o engajamento.
Se enxergas o mundo horrendo, estás, portanto, carregada de compromisso – torná-lo o mais belo possível – “Assenta-te e varre o mundo A ti, miseravelmente, ofertado”.
E, ao mesmo tempo, carecidamente sangrado”.
Varrer com que? Com a tua arte, tua vocação, que é a tua ferramenta existencial.
Esta suposta“alma maldita”, não o é, pois, com a sua arte, é vocacionada a ser artífice.
Taí sua tarefa, transforme sua ambiência com a sua arte, o mundo precisa de arte.
E esse é o preço a pagar...

"O que não haje não é"(Emmanuel Mounier)
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Saúde.