O caminho...

Intento, ainda acanhada, entregar-me às letras, sílabas, palavras, frases e o que se pode obter dessa junção. Coisa linda a mistura das palavras.


Sempre fui encantada pela nossa Língua e tive a oportunidade de ter como mentora, na antiga quinta série, a professora de LP Maria Alice.

Seu saber e envolver a todos nós, seus alunos, fez-me, literalmente, apaixonar-me por uma mulher aos onze anos de idade

Paixão platônica, pueril, inocente e verdadeira. Nascida da admiração do saber e ir além fazendo os outros também participarem desse conhecimento espetacular, quanto se trata de se entregar à Língua Portuguesa.

Vivo pelos cantos, tanto internos quanto externos, de caderneta em punho e caneta entre os dedos. Do nada, vejo uma imagem ou ouço uma palavra perdida num bar e dali parto para uma história vinculada à alguma vivência minha, da infância difícil até a executiva promissora, e me abro para o mundo das letras.

Meus dedos percorrem rapidamente a caderneta anotando o que me for possível trazer à tona, num momento posterior, de pura entrega, dedicar-me a misturar palavras, ritmos, sentidos, além, de uma boa dose de singularidade.

É assim que construo sem pressa meus poemas, versos, sonetos, também minhas crônicas, prosas e contos.

Foi a poesia que me salvou de me destruir na minha mais pura e insólita melancolia.

Foi a poesia que me salvou de mim mesma, impediu que eu ultrapassasse a linha da imaginação e fosse para algum lugar nunca antes visitado.

É a poesia, o verso, a magnitude da construção literária que me mostram quem realmente sou.

Oras posso valer até um milhão, mas sei tão bem que não valho sequer um tostão.

Humana sou.

domingo, 30 de dezembro de 2007

Conto: Invisível



Enfim, chegara o dia.

Como de costume, o despertador soou às cinco da manhã.

Passara vinte e três anos da vida acordando ao mesmo barulho, emitido pelo mesmo relógio. Salvo, quando um dos filhos, ainda pequeno, recorria febril ao seu colo, numa madrugada qualquer e ainda sem luz, pondo-a de pé, intranqüila e pensativa.

Os pensamentos a espezinhavam com freqüência. Tinha consciência de que viveria sempre sobre aquelas mesmas circunstâncias.

(Pena, o som emitido pelo relógio estava longe de ser uma melodia!).

Lembrou-se de quando, juntos, foram comprar o aparelho.

Ela, no desejo de conhecer o valor da felicidade, sugeriu que não fosse convencional, desses de trimmm. Porém, ao sentir seu olhar de soslaio, meio sorrateiro, entendeu qual era a resposta.

Entendeu também que diálogo não seria habitual a eles.

Foi aí que deu de cara com o que a vida lhe abençoou:

Um casamento onde sua voz não ecoaria.

Um casamento onde nem mesmo teria voz.

O resto de esperança, por uma vida em harmonia, evadiu-se de forma árdua e completa.

O ferrenho momento denunciou os anos por vir. Concluiu cedo que o sabor do novo permaneceria longe de seus sonhos e desejos.

Considerou assustador o que um instante pequeno e miúdo é capaz de mostrar.

Encolhida e diminuta aceitou, resignadamente, o que a vida lhe doou.

Mecanicamente desligou seu tic-tac rotineiro e astucioso.

Sentou-se na cama e estendeu o braço direito até alcançar o penhoar. Esse, não era o mesmo, como o despertador. Mas, sim, o segundo. Acompanhava por uns nove anos.

Recebera-o em forma de presente, num natal.Vindo dele soou um verdadeiro ato de caridade.

Surpreendeu-se: Seu marido nascera embalado pelo pecado da avareza.Uma avareza fria e contundente.

Desembrulhou o pacote e agradou-se ao dar de cara com o tamanho "M".

Conservara o mesmo tamanho, não o mesmo corpo, mas o ‘eme’ ainda lhe cabia bem.

Com seu penhoar "M", em mãos, agradeceu,cabeça baixa,evitando seus olhos alcançarem os dele.

Cobriu-se.

Arrastou os chinelos aos pés. Permaneceu sentada enquanto recapitulou a programação do dia.

Foi quando, fortemente, seus olhos se contraíram numa demonstração de apoio.

Ao passar pelo banheiro escovou os dentes meio encardidos. Não por tabaco. Largara-o há tempos.Mas, talvez, por nunca haver consultado um especialista.

Lembrou de que pedira. Pedido negado e rejeitado.

Depositou-o num canto da memória.Esqueceu.

Do altar de sua própria enjeição questionava como se submetera àquela vida. Sem respostas, desviava as perguntas teimando em torturá-la.

Secou o rosto, numa toalha branca bordada por suas mãos, e fitou sua imagem no espelho.Esse, incólume, quieto, calado e nada amigável.

Reconheceu a forma bruta que o tempo dedicou para marcá-la.

Fitou seus próprios olhos com força e um resto de coragem.

Encontrou-os sem brilho. Vazios. Deparando-se com a profundidade, pensou ser oriunda do cansaço.

Ao analisar as linhas tortas contornando as pálpebras, fez-se de indiferente.

Havia ali uma expressão agoniada e emudecida.

Um presente da vida pelos anos vividos sob aquelas circunstâncias. Presente doado em ritmo lento e cruel.

Pôs-se a avaliar a boca. Não gostava dos lábios. Eram, por demais,finos e tracejados, bem como desprovidos de carne.

O tom quase bege, como a pele, reforçava mais os dentes amarelados.

Assustou-se ao lembrar que sua boca já fora de num tom rosa claro.

Os molares apresentavam-se inclinados, meio tortos, além de contarem com uma pequena abertura em ‘v’ de cabeça pra baixo, bem no centro da arcada superior.

Incomodada, desviou a face e, quase com raiva, escovou os cabelos.

Prendeu-os.

Dirigiu-se à escada rumo à cozinha. Lugar esse onde passara mais da metade do tempo enfurnada, numa ânsia sem precedentes, de agradar a todos.

Ajeitou a mesa do café.

Coou o pó em água pelando, despejou no bule de alumínio escurecido e deixou sobre a pia.

Fatiou o pão feito na noite anterior tão habilmente instaloundo-o ao centro da mesa.

Margarina, requeijão, a sobra do bolo que daria de sobra para todos, leite, o quê mais? Nada. Café posto.

Cinco lugares. Não durante todos aqueles anos, e, sim, ao longo deles. Contara com bons intervalos de tempo na idade dos filhos o que denunciava, claramente,a ausência de carícias.

Deu de ombros. Tarde demais pra pensar sobre aquilo. Tarde demais para
pensar sobre qualquer coisa. Sua cabeça agora abrigava apenas a agenda do dia.

Começou a arrumação pelos quartos.

Roupas e sapatos, largados no chão, retornaram aos seus lugares.

Camas forradas precisamente na primeira estirada dos lençóis que também haviam sido feitos por ela, na época, um lindo linho branco e, hoje, marfim escurecido.

Na sala recolheu um prato de sobremesa largado na noite anterior na mesa central.

Devolveu almofadas ao sofá e passou um pano úmido nas mesinhas laterais (bonitas as mesinhas com vasinhos de flores violeta), retirando o pó que teimava em visitá-la, dia após dia.

Ao abrir a cortina um sol vermelho cerrou-lhe os olhos. Virou-se e deparou com um par de chinelos esquecidos na beirada esquerda da poltrona.Eram Os chinelos dele.

Pôs-se escada acima para despejar as sandálias, afinal já havia acontecido de deixá-los ali e ler, num único olhar, a total desaprovação ao seu ofício de dona-de-casa.

Repentinamente parou num dos degraus e fez o caminho de volta. Largou os malditos no mesmo lugar.

Caminhou até o tanque.

Esfregou, ensaboou, pôs pra quarar, enxaguou, torceu e estendeu.

Não contava com máquina de lavar. (Coisa supérflua para quem fica o dia todo em casa ).

Arrepiou-se ao perceber o quão tinha se acostumado ao hábito diário da concordância e da mudez. Da palavra presa e engolida as secas.

Café, almoço, lanche, jantar, ou qualquer outra coisa, tudo sempre ao gosto dele, dia após dia.

O mais dorido, entretanto, foi constatar sua invisibilidade. Não se fazia ver aos olhos e coração dos que moravam ali. Usavam seus serviços, afinal era sua obrigação e saíam sem nem mesmo se despedirem.

Deu de ombros.

Apreciava esse gesto. Sentia-o como se simbolizasse que nada a incomodava. Mas, um suspiro baixo, denunciou a leve mentira.

Caprichosamente lavou a louça. Limpou o fogão com um pano seco e sem sabão. Sim, sem sabão! Sentiu-se atrevida. Esboçou um sorriso lateral que não saiu por falta de hábito.

Mesa forrada, fruteira no devido lugar e a tampa do fogão abaixada denunciavam que não haveria almoço naquele dia.

Carecia ir ao quarto antes que alguém chegasse. Era quase hora.

Passou os olhos pelos cantos da cozinha, reparou no hall de entrada com suas fotografias abandonadas pelas paredes.

Olhando a sala concluiu que era acinzentada mesmo quando um sol avermelhado despontava por entre as brechas da janela, sob a cortina em voil cru.

Subiu.

No topo das escadas, num semi-giro, espiou o quarto da filha mais nova. Somente essa recordação queria ao seu lado.

Mais alguns passos e assentou em sua cama.

De improviso, resolveu alterar uma parte do plano.

Foi até o quarto da moça e sentada diante da penteadeira passou pó, blush, rímel e batom cor de cereja.(Bem bonito o batom).

Novamente aquele sorriso lateral não saiu.Mas, sentiu-se ousada, após tantos anos, apropriou-se de um pequeno atrevimento estético.

(O tom cereja afastara os equívocos cometidos pelo blush e rímel).

Guardou-os e levantou.

Deu de cara com sua imagem no espelho grande da porta do armário. Então resolveu trocar de roupa. Mudanças no plano.

De volta, abriu o baú, que que abrigava fronhas e lençóis. Do do fundo sacou um embrulho meio marrom, que pareceu ter sido cuidadosamente guardado. Vestiu-se de um belo azul celeste. Decote pudico, em v.

O colo arredondado e livre de sardas surgiu. Pode concluir, tardiamente, como era vistoso.

Enfiou a meia-calça de seda preta pernas acima.Calçou os sapatos também pretos de salto médio e retornou ao quarto da filha.

Desejava se ver por inteira.

Fê-lo no espelho grande. O sorriso de canto quase saiu. Quase.

Do gabinete do banheiro amarelo, escondido atrás de um nada profundo, tirou da última gaveta, por sinal meio emperrada, um pacote miúdo.

Olhou a gaveta com certa tristeza. Gaveta abandonada.

Na cama acendeu o cigarro de filtro amarelo e fumou. O primeiro trago a pôs ligeiramente emaranhada, tão desacostumada que estava ao gosto da nicotina.

Logo ondas de fumaça distribuíram os pensamentos restantes e perdios pelo ar.


Tragou até a bituca que foi eliminada pela água da privada.

Não se preocupou com o odor exalado. Não agora. Não mais.

Do criado, retirou a Bíblia Sagrada. Sentiu as mãos tremeram em demasia como se fossem uma centrífuga (a enxuga-lher a alma).

Também da Bíblia retirou uma sacolinha branca, dessas de supermercado.Estava bem dobrada em formato de pequenos quadrados.

Sacudiu-a no espaço para que o ar se alastrasse por completo e transformasse em algo parecido com uma bexiga, é, dessas, que criança gosta.

Bruscamente meteu o plástico na cabeça. Certificou-se de estar bem ajustado.

Deu um nó cego usando um pedaço de pano grosso, previamente cortado.Chegou a assustar-se com sua força, mas foi essa, que pôs de lado, quaisquer possibilidades de recuo.

Enfim, deu-se por feliz ao concluir que não haveria por onde entrar uma brisa qualquer.

Sentiu um leve medo. Leve e passageiro.

Uma respiração sôfrega tomou conta da boca e das narinas.

Agitou-se num movimento que pareceu ensaiado - mãos, braços, joelhos, pernas e pés - enquanto o ar percorria seu caminho de ida.

Bruscamente, o corpo se deparou com o chão.

Vieram oscilações físicas - como uma coreografia desarranjada.A dança intensificou-se para que o corpo pudesse se debater num ritmo mais desesperado.

E repousou, mais acomodado, no chão de tábuas corridas.

Subitamente o barulho da madeira parou por completo.

Fez-se silêncio total.

Conto: Visitei o Dingo (O amigo escroto e nojento do PC)

E fui. Fui mesmo.

Descendo do carro reparei na movimentação das pessoas, gente pra caramba. A Mulherada numa estica semi-burguesa, fase pré-concordata, (nunca entendi porque rico não sabe se vestir), porém alinhadíssimas no quesito preço inclusive as bregas, porque brega também pode ser rico e rico, normalmente, é brega. Believe-me.

Isso sem contar a quantidade de homens engravatados, calvos, barrigudos, certamente com uma boa dose de pelanca escondida sob a roupa, sessentões e cara de tarados.

A casa (casa? bobinha) a mansão, muito bem situada nas ruas verdes dos Jardins, dita zona nobre da ‘cidade da garoa’ como disse alguém (sorry, não lembro quem), um dia.

Do portão principal vi a piscina me indicando o hall de entrada, esse me indicava a sala principal, bela arquitetura, neoclássica. Bela indicação.

- Classe média alta pomposa-burguesa-metida-do-cacete, falei. Só pra eu ouvir, claro.

Reunia-se ali a sobra dos filhos da puta donos do dinheiro que reside (a grana), em São Paulo, e esfrega, dia-a-dia, com luva de pelica, na cara de tudo quanto é pobre. E pobre, a gente sabe, que é tudo fudido.

Típicos viados, sabe, desses que quando param seus carrões importados em farol vermelho e criança pede trocado não dá porque considera errado, causa e conseqüência, mais um monte de blá blá blá. Tenha santa paciência.

Meu comportamento pré-assustado apresentou-se rapidinho. Gente demais. Não vou. Eu? E pensei alto, pois no pensamento consigo alcançar outro tom:

- Fudeu!

Tenho medo de gente. Gente me assusta. Gente olha pra gente com cara de que sempre, a qualquer momento, perguntará algo. E, eu na minha ansiedade pré-precoce, já me ponho a articular mentalmente uma resposta para uma pergunta que não faço idéia qual será, menos ainda se virá.

- Insana.

O frio na barriga compareceu pra auxiliar no comportamento pré-assustado, só em me imaginar rodeando a piscina, inevitável, para alcançar o hall.

Bom, o negócio era sair de mansinho. (Bem covarde, sabe?) - Ninguém repararia. Manguaceiro metido a besta tem classe. Eu não ouviria:

- Ei. (Eu?)

- Nem chegou e já vai?

Eita ‘frasesinha’ ordinária. Frase de pobre. Inventada por um pobre num churrasco de sabadão à tarde com pagode rolando solto e todos os mané de olho no bando de bundas i-g-u-a-i-z-i-n-h-as, tal e qual, rebolando igual cachorro labrador se tivesse fumado crack.

Do nada, a covarde aqui (eu) teve um estalo:

- Já que estava ali, vestida pra ocasião (caprichei), parada, imóvel e imune, covarde e calada (falando somente comigo, bem baixinho, porque também tenho medo de falar com gente), entraria.

Daria a olhada pró-forme no já-já-serei-defunto e, de quebra, entornaria, free, uma vodka da boa. Dessas que só se toma de três em três anos porque tem amigo de amigo morrendo, percebe?

Como há tempos não bebia algo decente, prontamente a ocasião encontrou o local:

- Ia tirar a goela da miséria.

30/12/2007 18:57:12

Na entrada da porta principal, uma velhota de cabelinho meio ralo cor de nuvem e carteira dourada na mão (bem brega a carteira dourada), disse-me algo que não ouvi e, se não tinha ouvido, sabia direitinho o que fazer: Fingir que não era comigo e me m a n d a r!

- Covarde, surda e fingida.

O certo (Maria Madalena Certinha da Vida), seria:

Antes de bebericar a cobiçada vodka, dar uma olhada no futuro defunto, afinal esse foi o motivo que me instaurou ali. Falaria um oi sem graça e amarelo, de acordo com o devido merecimento do escroto que está prestes a morrer, desceria para que o copo encontrasse a garganta seca.

Feito isso, evaporar-me-ia.

No meio das escadas dei um trupicão num dos degraus, maldito, e, por pouco, não esfrego a cara no chão aos pés da desvairada burguesia paulistana.

Mas a merda mesmo foi perceber que esfoliou um pedacinho do couro do meu salto, pé direito, um belo sapato chanel semi-novo (angariei num brechó finérrimo da Oscar Freire), e chique, of course.

Consegui chegar inteira à porta do quarto.

Bati.

A voz do além:

– Quem é.

Voz grossa, lenta e mal humorada.

Abri.

- Oi Dingo.

- Que que é, ohhh?

(Que que é, ohhh seu filho da puta-moribundo e grosseiro?).

Nem morrendo o desgraçado consegue ter o mínimo de educação.

– Oi Dingo e aí? (Sorry, não me ocorreu nada mais além dessa frase em forma de esqueleto lingüístico.).

- Ahhh, é a classuda vadia do salto alto e das ‘teta bonita’.

(Jesus prefiro morrer parafusada na cruz a suportar por mais de dez minutos esse infeliz.).

– Ahn?

- Não finge que não me escutou. Nunca deu pra mim, né, nojenta?

(Nunca dei nem beijo na tua cara enrugada seu viado pré-morte.).

- Dingo eu...

- Me deixa ver teu peito, vai, tô morrendo mesmo, pego um pouquinho, dou uma mordiscada, cê vai gostar, prometo, vem, põe esse peitão aqui, põe.

(Pai nosso que estais no céu santificado seja o vosso nome venha a nós o vosso reino...).

– Eu... (Te acho um velho nojento-escroto-feio-comedor de bagaceira e as vias de arder nas mãos quentinhas de Lúcifer).

- Vai logo, tira essa blusa, peituda.

(Never! Seu fedido a caminho do seu devido lugar: - O inferno).

- Não, Dingo, eu... (Sou uma idiota-trouxa-covarde-fingida, que vim aqui, sem querer, passando, novamente, por cima da minha fraca personalidade, só porque o PC me pediu. Esse, um maldito filho da puta, me enfiou essa roubada e, acreditem, vai se ver comigo, (ahhh se vai.).

- Então se manda, vai, se manda, vai, ohhh. Fora peituda! (Berrou)

Juro que tive vontade de chorar. Mas na frente do Dingo? Nunca. Nem que matassem minha mãe a tesouradas.

Pré-jazia ali o tipo de homem que não merecia (nem nunca merecerá) ver lágrima na face de uma mulher (mesmo sendo ela uma bagaceira, o que não é meu caso, baby).

Afetou meus ouvidos. (Cornudo!).

Olhei nos olhos do moribundo (Ia dizer umas boas; mentira, ia nada), na cara do canalha, sair e bater a porta estrondosamente pra afetar os ouvidos dele.

Senti meu rosto esquentar (indício de choro), não pensei em mais nada. Dei um rodopio, até hoje não entendi o movimento saltado e pus-me fora dali.

Fechei a porta (não bati).

Encostei-me próxima à porta, bem quietinha e inerte, para recompor-me daquela figura nojenta e pronta pra comer bagaceira nos quintos dos infernos.

Tardiamente (como sempre), pensei: - Podia ter esbofeteado o abjeto. Ele não teria como reagir.

(Eu, esbofeteando alguém? Nem mesmo o Dingo).

A cara dele (do Dingo) me dava medo. O canalha consegue ser tão escroto que está escrito na sua testa:

Filho-da-puta-nojento-ordinário-sem-escrúpulos-comedor-de-bagaceira-prestes-a-arder-no-fogo-do-inferno. Eu sou do Mal.

Desci.

Iniciei minha via sacra rumo à porta principal.

Não.

Sim.

Uma passada de mão na minha bunda.

Quem?

Só podia:

Outro velho careca, pançudo com cabelo cor de algodão doce e branco.

Eu, no limite da minha covardia diária, não ia reagir? Não ia falar nada? Ia Deixar pra lá? Deixar pra lá o cacete!

Voltei.

Ao pé do seu ouvido (do velhote minguado), sussurrei:

- Se liga, oh viado e cornudo de pinto mole, escroto e filho da puta vai, passar a mão na bunda da tua mãe, aquela vadia.

(Nem eu acreditei em mim.).

Destilei meu cordel de palavrões naquele ouvido cheio de cera amarelada, bem gema de ovo, e apodrecida.

Lavei a honra, tardiamente, mas lavei.

O velhote, passador de mão na bunda, ficou me olhando atônito, olhão arregalado, medrou de eu armar um barraco.

- Fica tranqüilo safado. Eu não sou de baixaria. (e sou covarde, só chego até aqui, meu limite de coragem), trouxa.

Afastei-me honrada e classuda.

Alcancei a porta.

A maldita da velhota (do cabelo cor-de-nuvem-carteira-dourada-brega), falou-me novamente algo.

Dessa vez escutei, mas fingi que não. Continuei. Se fingira que não tinha ouvido, auto-proclamei:
- Não é comigo.

Sumi.

Já no carro, respirei fundo e suada. Recuperei o fôlego e um pouco do orgulho próprio.

Dei partida.

Segui mal humorada e azeda rumo ao meu canto.
Além de tudo aquilo, vivido em menos de quarenta minutos, não tinha bebido a porra da vodka.

- Mal humorada, azeda, fudida e sem vodka.

Quanto ao Dingo, o comedor de bagaceira, continua vivinho da silva, na cama, claro, dali não sai mais, enchendo a cara de uísque escocês e fumando feito condenado.

É o típico infeliz-ordinário-filho-da-puta-nojento-que-não-morre-tão-cedo.

Normalmente, escroto rico demora mais pra morrer ou vive mais: Você escolhe.

Ah, quanto à multidão de pessoas bregas do casarão, não sei o que comemoravam. Provavelmente, penso cá comigo, a notícia de que o filho-da-puta, dessa vez, embarcaria.