Palavras, poesias, poemas, versos, sonetos, estrofes, contos, crônicas, pensamentos, devaneios...
O caminho...
Intento, ainda acanhada, entregar-me às letras, sílabas, palavras, frases e o que se pode obter dessa junção. Coisa linda a mistura das palavras.
Sempre fui encantada pela nossa Língua e tive a oportunidade de ter como mentora, na antiga quinta série, a professora de LP Maria Alice.
Seu saber e envolver a todos nós, seus alunos, fez-me, literalmente, apaixonar-me por uma mulher aos onze anos de idade
Paixão platônica, pueril, inocente e verdadeira. Nascida da admiração do saber e ir além fazendo os outros também participarem desse conhecimento espetacular, quanto se trata de se entregar à Língua Portuguesa.
Vivo pelos cantos, tanto internos quanto externos, de caderneta em punho e caneta entre os dedos. Do nada, vejo uma imagem ou ouço uma palavra perdida num bar e dali parto para uma história vinculada à alguma vivência minha, da infância difícil até a executiva promissora, e me abro para o mundo das letras.
Meus dedos percorrem rapidamente a caderneta anotando o que me for possível trazer à tona, num momento posterior, de pura entrega, dedicar-me a misturar palavras, ritmos, sentidos, além, de uma boa dose de singularidade.
É assim que construo sem pressa meus poemas, versos, sonetos, também minhas crônicas, prosas e contos.
Foi a poesia que me salvou de me destruir na minha mais pura e insólita melancolia.
Foi a poesia que me salvou de mim mesma, impediu que eu ultrapassasse a linha da imaginação e fosse para algum lugar nunca antes visitado.
É a poesia, o verso, a magnitude da construção literária que me mostram quem realmente sou.
Oras posso valer até um milhão, mas sei tão bem que não valho sequer um tostão.
Humana sou.
terça-feira, 31 de agosto de 2010
segunda-feira, 30 de agosto de 2010
Atitude
Por fim,
Mesmo com tudo que na mente planejei
Eu consegui
Mesmo com tudo que na mente arquitetei
Eu consegui
Alcancei o sucesso
E antes de um pouco com ele me comprazer
É claro, eu consegui
Fui lá
Só mais uma vez
Para fracassar.
Então resolvi espairecer os pensamentos
Fui caminhar no calçadão
Repentinamente, sem nada entender,
Meu corpo inteiro eu lancei ao chão.
Ainda na ânsia de acalmar minhas idéias
Dei foi de cara com o solo
Logo meu corpo eu endireitei
E bem quietinha esparramada lá fiquei.
Formou-se uma cena esquisita
Eu no papel principal
Por completo toda desalinhada
Que mesmo ali deitada resolveu
Sua vida por completo suster
Sem, ironicamente, esquecer
O caminho que se deve traçar
Para alcançar
Um belo fracassar.
Impiedosa
Chegar lá
Pulsa o pulso do braço do moço
Pulsa o pulso desobediente revelando o pavor
Que outrora no moço se projetou
Por fim ele irá sozinho se encontrar
Com um influente e de todos conhecidos
Para, cara a cara, numa goleta despejar
Tudo que por anos dentro dele guardou
Agora é sua vez de declarar
A perversa cólera que dele se apossou
Para aquele chamado por todos
De deus, 'nosso' senhor.
domingo, 29 de agosto de 2010
Socorro
Consegui
Foi um trabalho árduo
Por isso me encontro exausta
Todas as minhas forças se foram.
Desci ao fundo do poço
Encontro-me encharcada de água até o pescoço
Somente minha cabeça está para fora
Não sei o que fazer
Se deixar a água engolir minha cabeça
Ou se gritar.
Será que alguém vai me ouvir?
Será que alguém vem me socorrer?
Vou gritar:
- Socorro.
Preciso de ajuda.
Peço que alguém venha me tirar daqui
Prometo a mim mesma que quando estiver longe deste lugar
Vou mudar.
sexta-feira, 27 de agosto de 2010
Apenas mais um desventurado
Vai, caminha sem parar
Busca intensamente a ti encontrar
Quem sabe um dia tu possas diagnosticar,
Ao longo de um musical qualquer,
E, tardiamente, caiar na real
Que o fará enxergar
A que grupo tu passou a pertencer.
Pertences agora, infame ordinário,
Ao grupo que desconhece,
Aludido pela crença desavergonhada,
Compondo esse misto de mentira e alegria,
Que ao cair das tardes chuvosas
Entoa a única e ainda existente
Melodia celebrizada
De façanha celestial.
Desventura
quinta-feira, 26 de agosto de 2010
As Vitrines by Chico Buarque
Te avisei que a cidade era um vão
- Dá tua mão
- Olha pra mim
- Não faz assim
- Não vai lá não
Os letreiros a te colorir
Embaraçam a minha visão
Eu te vi suspirar de aflição
E sair da sessão, frouxa de rir
Já te vejo brincando, gostando de ser
Tua sombra a se multiplicar
Nos teus olhos também posso ver
As vitrines te vendo passar
Na galeria, cada clarão
É como um dia depois de outro dia
Abrindo um salão
Passas em exposição
Passas sem ver teu vigia
Catando a poesia
Que entornas no chão
sexta-feira, 20 de agosto de 2010
Falando sério bundão
Se queres algo alcançar
Sugiro que apresses teus passos
Afinal, meu, na real
Tu caminhas muito devagar.
Te digo isso numa boa
Relaxa, não me leves a mal
E, por favor, durante tuas rezas (desprezível como sei que és)
Não penses em meu ser amaldiçoar.
Não acredito em oração
Menos ainda em água que dizem
Que ao benzer a multidão
No final quando encontrarem a luz mortal
Abraçarão a tão acossada salvação.
Para ti: Há, há e há.
Estranha melodia intrínseca
É hora de admitir que passeia dentro de mim um leve sussurro
Entoando de dia, de tarde e de noite
Assumo que não sei defini-lo bem, sinceramente, sei não
Talvez eu possa dizer que ele se assemelha
À uma música foliando minhas entranhas na contra-mão.
Todos os dias agradeço a ele por me visitar
Afinal, nem todos podem consigo carregar
Sons intrínsecos, que em sua totalidade, promovem uma melodia suave
Vai além, detém o poder de me transmitir paz e consolo
Coisas que sempre ambicionei porém, sob vasto pranto.
Quando ele está presente emitindo seus doces murmúrios
Faz com que meu corpo elabore movimentos coordenados
Parece que sozinha consigo dançar travando, mesmo desacompanhada,
Uma coreografia, eu única, num enorme salão.
Ele deixa escapar um brilho abranda minha face,
Torna-se fácil de reconhecer
Que, de forma mágica, instantaneamente,
Também me induz pelo caminho da paz
Enquanto se espalha dentro de mim e
Balbucia uma canção.
- Não se vá sussurro
Não se vá
Peço que não me deixes nunca mais
Agora tu sabes, conseguistes reconhecer
Que com teu jeito acanhado
Pacificou meu desamparado ser.
- Não se vá sussurro
Não se vá
Eu, submissa, suplico-lhe
Se quiseres me ajoelho agora
E mesmo sem conhecer sequer uma oração
Para ti criarei, asseguro, em forma de prece,
Uma forma modesta e genuína de gratidão.
- Não se vá, sussurro
Não se vá.
quinta-feira, 19 de agosto de 2010
Súplica
Conclusão
quarta-feira, 18 de agosto de 2010
Você não me ensinou a te esquecer - Caetano Veloso
Não vejo mais você faz tanto tempo
Que vontade que eu sinto
De olhar em seus olhos, ganhar seus abraços
É verdade, eu não minto
E nesse desespero em que me vejo
Já cheguei a tal ponto
De me trocar diversas vezes por você
Só pra ver se te encontro
Você bem que podia perdoar
E só mais uma vez me aceitar
Prometo agora vou fazer por onde nunca mais perdê-la
Agora, que faço eu da vida sem você?
Você não me ensinou a te esquecer
Você só me ensinou a te querer
E te querendo eu vou tentando te encontrar
Vou me perdendo
Buscando em outros braços seus abraços
Perdido no vazio de outros passos
Do abismo em que você se retirou
E me atirou e me deixou aqui sozinho
Agora, que faço eu da vida sem você?
Você não me ensinou a te esquecer
Você só me ensinou a te querer
e te querendo eu vou tentando me encontrar
E nesse desepero em que me vejo
já cheguei a tal ponto
de me trocar diversas vezes por você
só pra ver se te encontro
Você bem que podia perdoar
E só mais uma vez me aceitar
Prometo agora vou fazer por onde nunca mais perdê-la
Agora, que faço eu da vida sem você?
Você não me ensinou a te esquecer
Você só me ensinou a te querer
E te querendo eu vou tentando te encontrar
Vou me perdendo
Buscando em outros braços seus abraços
Perdido no vazio de outros passos
Do abismo em que você se retirou
E me atirou e me deixou aqui sozinho
Agora, que faço eu da vida sem você?
Você não me ensinou a te esquecer
Você só me ensinou a te querer
e te querendo eu vou tentando te encontrar
Vou me perdendo
Buscando em outros braços seus abraços
Perdido no vazio de outros passos
Do abismo em que você se retirou
E me atirou e me deixou aqui sozinho
Agora, que faço eu da vida sem você?
Você não me ensinou a te esquecer
Você só me ensinou a te querer
E te querendo eu vou tentando me encontrar
Composição: Fernando Mendes / José Wilson / Lucas
Minha infeliz covardia
Enquanto meus pés duramente vão tocando o chão
Sinto e ressinto com o que vejo ao meu redor
Enquanto avisto pelo caminho uma grande multidão.
Trata-se de um grupo seleto
Eleito por alguém – não me perguntem quem –
Para usufruir dos privilégios que a vida retém.
Essas pessoas habituaram-se a caminhar pelas ruas
E não olhar para os lados – assim como eu –
Vedaram seus olhos com baluartes
Para gozarem do prazer de se tornarem oportunamente cegos.
Por alguns minutos estanco entre os escolhidos
Mas, esperta, avanço rapidamente
Deles desejo – bem oportuno - me afastar
Fingindo, assim, possuir outra maneira dos desprezados enxergar.
Percorro uma viela estreita procurando um lugar
Onde possa abater, como penitência,
Pela minha visão cega e mesquinha
Comprimindo meu coração
Até senti-lo sangrar.
À medida que caminho atento as beiradas desertas
Reparo nas ruas sujas e desniveladas
Reparo nas pequenas vilas
Reduto dos invisíveis.
Diante disso, padeço um pouco mais
Propositadamente me engano
Querendo acreditar
Em algo que ainda possa
Fazer o mundo se movimentar.
Internamente elaboro uma questão:
Como lidar com o que vejo?
Como lidar com o que sinto?
Parar?
Perpetuar?
Acolher?
Algo estabelecer?
Minha resposta: Não sei o quê fazer.
Lembro-me de que eu sou
Mais uma vítima abraçada pela covardia humana
Carregando nas costas uma história sombria
Tentando justificar que talvez isso poderia
Aliviar minha existência fria .
Enquanto prossigo evito tocar nos outros
Caminho na direção que elegi
Nela estarei fadada
A sozinha enuviar
E diariamente meu corpo chicotear.
Quando chego ao meu destinado lugar
Cavo um buraco profundo
Nele estabelecerei moradia
Por completo, vedarei minha visão
Que é mesquinha, egoísta e fria.
Serei como todos os outros
Que cegos atravessam as ruas
Serei como todos os outros
Que cegos não vêm os pobres
Para facilitar nossas jornadas
E não doar ou dividir nada
Talvez, o mínimo que fosse
Poderia contemplar momentos de alegria.
Mas continuará prevalecendo
À torpe e alastrada covardia da vida
Pelo meu e pelos teus dias.
Noite de sonho
É noite, encontro-me num sono profundo. Nele tenho a felicidade de sonhar. Meu sonho é colorido. Vejo árvores pequenas formando um caminho. Nesse caminho também há flores. Mesmo só não me sinto desamparada. Confio no que vejo.
Percebo os pássaros entoando uma canção de boas vindas para mim. Também minha chegada é celebrada pelos outros animais. É como se estivessem esperando pela minha chegada. Acolhem-me em troca de nada.
Há risos. Há falas. Há melodia no ar. O ar exala um perfume delicado. Nele me banho e sinto minha pele se aquecer. Encontro-me num sono profundo e sonho, sonho.
Tenho medo de acordar e deparar com minha realidade solitária.
É hora.
Acordo.
Acordo e choro porque meu desejo era o de continuar sonhando e sendo feliz.
Felicidade para mim somente nos sonhos.
Herança II
Percurso
Pareço contrariada
Permaneço do meu jeito
Meio distante, menos singela
Feito uma boneca
De louça ou de vidro
Por fora toda adornada
Por dentro sempre contrariada
Sigo assim minha crua jornada.
Tristeza
Dai-me sabedoria para dispersar as partes
Dai-me sabedoria para alegrar essas com artes
Dou-te contentamento contanto que não finjas
Dou-te meu amor contanto que não mais mintas.
Irrita-me pensar que tudo voltou ao seu lugar
Cansa-me a cabeça, a mente e também o coração
Foge-me do alcance indagar qualquer questão
E na tua cabeça, equivocadamente, passo novamente a mão.
Mesmo tirando-me o pouco ar que respiro
Sem ele, sabes, definho
Mesmo tirando-me o pouco ar que ainda me leva ao suspiro
Eterna serei pela vida em que me enfiei.
Olho mas, não reconheço
Bem sei: Tudo tem seu preço
Confusões giram em minha mente, padeço
Agora é a hora de ir embora
Agradeço.
Em nome do amor
Em nome do amor cala a boca
Encolhe, recolhe
Cala a boca meu bem
Eu te amo neném.
Em nome do amor tudo se perdoa
Se mata, ataca, desfigura
Em nome do amor tudo soa
Ressoa, fere, figura, pessoa.
Tapa na cara, arranhão
Empurra, cai de bunda no chão
Mas, tudo bem meu amor, meu amorzão.
Fica calada, chora não
Pessoa ingrata, não sabe perdoar
Cara na parede, encosta lá
Te meto a mão, cê vai de novo pro chão
Dessa vez sem acordar.
Mas tudo passa
Tudo passa meu bem
Em nome do amor
Vem o perdão, vem a cadeia e vem
A morte também.
Almas
segunda-feira, 16 de agosto de 2010
Próxima
Na minha garganta sinto a secura da sede
Peço, por favor, dá-me um copo d’água.
Também encontro-me sensível ao frio
Consegues-me um agasalho?
Intimido-me em dizer a verdade
Francamente o que desejo
É um abraço acalorado.
Avizinho-me tão desamparada
Confino-me tão sombreada
Verto-me em lágrimas minguadas
Para destacar entorno-me num nada.
Transfigurei-me
Estou triste, percebes?
A tristeza me põe cansada
Dentre a multidão sinto-me tão só
Fiz-me de mim uma pessoa isolada.
Queria gozar de alguma razão
Queria fruir de um motivo qualquer
Para entender todo esse por quê.
Sigo sem qualquer outra ambição
Nada mais vai além no meu coração
Coloco minhas mãos sobre a cabeça
E recorro a mim
Ordeno-me que eu me esqueça.
Passei a repugnar a minha pessoa
Refuso nesse instante o meu formato
Desse modo consigo me alimentar
Desse modo consigo adormecer.
O sono me ajuda no giro
O sono dá-me algumas horas para esquecer
No sono encontro um pouco do viver.
Ilusão
A dor da alegria se mistura à dor da solidão
Pelos parques e pelas ruas
E também pelo coração.
A dor da alegria se mistura ao amor dos amantes apaixonados
Pelas ânsias e pelos desejos
E também pelo tesão.
A dor da alegria se mistura ao isolamento
Dos enamorados a serem feridos
Pela cruenta paixão.
Que um dia se tornará somente um não, não e não.
Criança
Sou mãe
- O que quero da vida?
-Quero meus filhos felizes. Se você me perguntar mil vezes o que mais quero da vida terei somente essa resposta: Quero meus filhos felizes no caminho que cada um escolheu. Não almejo a paz mundial. Não anseio que a miséria um dia acabe. Sou mãe. Sou egoísta. Quero meus filhos felizes.
Ontem, Hoje, Amanhã
O incrível é que esse – o futuro – por si só, consiste numa ilusão e não assegura a precisão de sua vinda.
Pensando nisso só me resta algo a dizer: - Viva os momentos, um a um e, talvez assim, poderás ser um ser humano mais tranquilo.
Doidice
Desacerto II
quarta-feira, 11 de agosto de 2010
Pancada
Bate forte
Eis o labor
Bate forte
Na boa fé
E também na dor
Bate em demasia
Impregnado está
De maculado rancor
Bate
Mas, bate com amor
Bate feroz
De forma enlouquecida
Bate feroz
Assim, tão decidida
Bate no sentir
Bate no pulsar
Bate no ver e
De quebra no acarinhar
Bate sem conhecer a quilometragem
Bate sem saber se ainda está
Na fase da defasagem
Mas, bate
Por fim, bate no coração
Bate na mente plurida
Da minha canção.
Desapossado
Rainer Maria Rilke: O "Eu" e o "Mundo" (Carta de 17 de Fevereiro de 1903)
Acabo de receber a sua carta. Não quero deixar de lhe agradecer a grande e preciosa confiança que esta representa, mas pouco mais posso fazer. Não analisarei a maneira dos seus versos, porque sempre fui alheio a qualquer preocupação crítica. Para penetrar uma obra de arte, nada, aliás, pior do que as palavras da crítica, que apenas conduzem a mal entendidos mais ou menos felizes. Nem tudo se pode apreender ou dizer, como nos querem fazer acreditar. Quase tudo o que acontece é inexprimível e se passa numa região que a palavra jamais atingiu. E nada mais difícil de exprimir do que as obras de arte - seres vivos e secretos cuja vida imortal acompanha a nossa vida efémera.
Dito isto, apenas posso acrescentar que os seus versos não revelam uma maneira sua. Contêm, é certo, gérmens de personalidade, mas ainda tímidos e escondidos. Senti-o, sobretudo, no seu último poema: A Minha Alma. Neste poema, qualquer coisa de pessoal procura encontrar solução e forma. E em toda a bela poesia A Leopardi se sente uma espécie de parentesco com este príncipe, este solitário. Contudo, os seus poemas não têm existência própria, independência, nem mesmo o último, nem mesmo o que é dedicado a Leopardi. Na sua carta encontrei a explicação de certas insuficiências que já notara ao lê-lo, mas a que não me fora possível dar nome.
Pergunta-me se os seus versos são bons. Pergunta-mo a mim - depois de o ter perguntado a vários. Manda-os para as revistas. Compara-os a outros poemas e alarma-se quando certas redacções afastam os seus ensaios poéticos. Doravante (visto que me permite aconselhá-lo), peço-lhe que renuncie a tudo isso. O seu olhar está voltado para fora: eis o que não deve tornar a acontecer. Ninguém pode aconselhá-lo nem ajudá-lo - ninguém! Há só um caminho: entre em si próprio e procure a necessidade que o faz escrever.
Veja se esta necessidade tem raízes no mais profundo do seu coração. Confesse-se a fundo: "Morreria se não me fosse permitido escrever?" Isto, sobretudo: na hora mais silenciosa da noite, faça a si mesmo esta pergunta: - "Sou realmente obrigado a escrever?" - examine-se a fundo até encontrar a mais profunda resposta. Se esta resposta for afirmativa, se puder fazer face a uma tão grave interrogação com um forte e simples "Devo", então construa a sua vida segundo esta necessidade. A sua vida, mesmo na sua hora mais indiferente, mais vazia, deve tornar-se sinal e testemunho de tal impulso. Então, aproxime-se da natureza.
Experimente dizer, como se fosse o primeiro homem, o que vê, o que vive, o que ama, o que perde. Não escreva poemas de amor. Evite, de princípio, os temas demasiado correntes; são os mais difíceis. Nos assuntos em que tradições seguras, por vezes brilhantes, se apresentam em grande número, o poeta só pode fazer obra pessoal na plena maturação da sua força. Fuja dos grandes assuntos e aproveite os que o dia-a-dia lhe oferece. Diga as suas tristezas e os seus desejos, os pensamentos que o afloram, a sua fé na beleza.
Diga tudo isto com uma sinceridade íntima, calma e humilde. Utilize, para se exprimir, as coisas que o rodeiam, as imagens dos seus sonhos, os objectos das suas recordações. Se o quotidiano lhe parecer pobre, não o acuse: acuse-se a si próprio de não ser bastante poeta para conseguir apropriar-se das suas riquezas. Para o criador nada é pobre, não há sítios pobres, indiferentes. Mesmo numa prisão cujas paredes abafassem todos os ruídos do mundo, não lhe restaria sempre a sua infância, essa preciosa, essa magnífica riqueza, esse tesouro de recordações? Oriente neste sentido o seu espírito.
Tente fazer voltar à superfície as impressões submersas desse vasto passado. A sua personalidade fortificar-se-á, a sua solidão povoar-se-á, tornando-se, nas horas incertas do dia, uma espécie de habitação fechada aos ruídos exteriores. E se lhe vierem versos deste regresso a si próprio, deste mergulho no seu mundo, não pensará em perguntar se são bons ou não, não procurará conseguir que revistas e jornais se interessem pelos seus trabalhos, porque gozará deles como de uma posse natural, como de um dos seus modos de vida e de expressão.
Uma obra de arte é boa quando nasce de uma necessidade: é a natureza da sua origem que a julga. Por isso, meu caro senhor, apenas me é possível dar-lhe este conselho: mergulhe em si próprio e sonde as profundidades onde a sua vida brota. Só lá encontrará a resposta à pergunta: - "Devo criar?". Desta resposta recolha o som sem forçar o sentido. Talvez chegue então à conclusão de que a arte o chama. Nesse caso, aceite o seu destino e tome-o, com o seu peso e a sua grandeza, sem jamais exigir uma recompensa que possa vir do exterior.
O criador deve ser todo um universo para si próprio, tudo encontrar em si próprio e nessa parcela da natureza com que se identificou. Pode acontecer que, depois desta descida em si mesmo, ao "solitário" de si mesmo, tenha de renunciar a ser poeta. (Basta, a meu ver, sentir que se pode viver sem escrever para que não seja permitido escrever). Mas, mesmo neste caso, a introspecção que lhe peço não terá sido vã. A sua vida dever-lhe-á sempre, quanto mais não seja, caminhos próprios. Que esses caminhos sejam bons, felizes e longos é o que lhe desejo como não sei dizer-lhe.
Que poderei acrescentar? Creio ter abordado o essencial. No fundo, apenas fiz questão de aconselhá-lo a evoluir segundo a sua lei, gravemente, seguramente. Não lhe seria possível perturbar mais violentamente a sua evolução do que dirigindo o seu olhar para fora, do que esperando de fora as respostas que só o seu sentimento mais íntimo, na hora mais silenciosa, poderá talvez dar-lhe.
Gostei de encontrar na sua carta o nome do professor Horacek. Dediquei a este sábio um grande respeito e um reconhecimento que já duram há anos. Quer dizer-lhe isto da minha parte? É uma grande bondade dele, que muito aprecio, lembrar-se ainda de mim.
Devolvo-lhe os versos que tão amavelmente me confiou e mais uma vez lhe agradeço a cordialidade e a amplitude da sua confiança.
Nesta resposta sincera, escrita o melhor que soube, procurei ser um pouco mais digno dessa confiança do que o é, na realidade, este homem que não conhece. A minha dedicação e a minha simpatia.
Rainer Maria Rilke
Paris, 17 de Fevereiro de 1903
O palerma da vez
Passa a vida inteira asilado
Atrás de seus próprios sentimentos
Escondendo-se de suas mais íntimas emoções.
Aperto no coração
Através do teu vestido corado
Vejo açular teu peito rosado
Enquanto sinto soar
Teu coração apertado.
Tua fala mansa e rouca
Soa frágil, soa fragmentada
E à uma corda
Parece atada.
Meus olhos vêm em ti
Uma estampa que foi ferida
Uma estampa sequiosa
Que carece bradar
Mas, tua fragilidade momentânea
Tom algum consegue alcançar.
Muda estás
Nada ouço
Desejo que um dia
Alto possas gritar: - Proclamar
Perante essa situação.
- Tu tão bonita -
Carregas no teu corpo esguio
A semente da solidão.
É isso mulher?
Reparando em ti um pouco mais
Observo os movimentos do teu corpo
Aventuro-me a fotografar
Mas, infelizmente, prendo-me
Frente à ausência de anistia.
Avigora-te um pouco mulher
Diz logo o que te abala
Diz logo o que te põe atordoada
Talvez, quem sabe assim,
Soe para mim
Uma acanhada resposta.
Entoa mulher o que aperta teu peito
Entoa mulher o que aflige teu corpo
Entoa mulher.
Será que no fundo da tua razão
Perdestes o rumo
Enganou-se na direção
Ou será que tu se apoderou
Da errada condução?
Quem sabe mulher que o nó
Que outrora por ti foi atado
Possa por nós
Ser afrouxado.
terça-feira, 10 de agosto de 2010
Os filhos nunca estão satisfeitos com as mães que têm
Morreu por falta de amor
Foi o amor que faltou
Durante seu sono cansado
Encontrava-se alegre
Coisa pouca, vale dizer
Encostada em sua extensa melancolia
Por décadas guardou com ela
Levou o amor não revelado
Trancafiado, dia-a-dia
Morreu por falta de abraço
De calor acalorado
Faltou seu espaço
Seu corpo agora gelado
Encolhido no pequeno quadrado
Feito sob medida
Para uma mulher falida
Faleceu sem a bênção do padre
Ninguém para segurar sua mão
E bem segura da sua solidão
Morreu por falta de crença
Na esperança
Deixou para o seu legado
Pequena herança
Alguns manuscritos perdidos
Em seus anos de vida
Esquecidos, decepção desencantada.
Morreu.
Gambé
É o irmão do Mané.
Quem é o Mané
É aquele ali óh.
Os dois caminham
Páreo a páre
No quesito idiotice
Os dois caminham
Páreo a páreo
No quesito tolice.
Depoimento
Obtive a permissão para falar sobre uma mulher que incomoda muitas pessoas. Não por sua aparência física ou pelo seu nível de instrução ou ainda por sua posição social e horizonte cultural.
Ela incomoda por ser o que é.
Ela incomoda por ter absorvido na íntegra como simplesmente existir: Da forma como é, ou seja, espontânea. Um ser humano singular em sua significação.
Essa mulher demorou anos para abraçar seu modo novo de vida pois, para chegar a esse nível de sobriedade teve que ignorar opiniões e críticas alheias.
Num determinado dia ela entendeu que conselhos disseminados e ouvidos por ela, em diferentes circunstâncias, não serviam para nada.
Entendeu que alguém que se julga no direito e na prepotência de aconselhar poderia juntar esses pareceres e jogá-los numa privada. Em seguida, puxar a descarga até que todos eles encontrassem seus devidos lugares: Ao percorrerem a merda dirigir-se-iam aos fétidos esgotos.
Engraçado é que mesmo antes das pessoas conhecerem essa mulher já a desaprovavam. Foi denominada de insolente, arrogante, prepotente, metida a besta, madame, chique, poderosa, atrevida, muito familiarizada e etc.
Para vomitar tanta falação os senhores e as senhoras se apoiaram somente em três coisas: A forma como ela caminha, a forma como ela fala e a forma como ela se veste.
Há algo peculiar sobre o seu caminhar: Enquanto caminha sempre matuta sobre alguma coisa. Nunca sua cabeça encontra-se vazia.
Demorou um pouco até que finalmente, aos quarenta e sete anos de idade, ela chegou ao ponto de prezar e agir e, claro, caminhar, conforme seu próprio ritmo.
Já não permite mais que lhe imponham movimentos a seguir ou advertências a acompanhar como em tempos outrora.
É claro que que durante o tempo em que viveu à sua própria sombra, torturou-se e maltratou-se em proporções vastas mas, o mais importante é vocês saberem que ela conseguiu pular fora. Concluiu seu próprio desfecho e de sua forma.
A tal mulher ainda continua sendo crucificada por ser como é e zelar por sua essência acalentando-a diariamente.
Não liga mais. A coragem tomou posse dos adjetivos que seus ouvidos alcançaram. Agora dá de ombros e segue flutuando do seu jeito pelo seu caminho.
Não pretensiosa mais ser igual a ninguém e não lhe incomoda mais fazer parte de um grupo quase que oculto. Agora as falácias alheias provocam-lhe saborosas gargalhadas.
Não a afetam mais. Não a dominam mais. Não a põem mais doente .
Por ser como encarou ser invocada até de doente.
Oxalá, cá entre nós, que bom seria se uma boa parte da população sofresse desse 'mal'. Explico melhor: Foi e é considerada doente por não fazer parte de grupos, rodas, bisbilhotices, fofocas, religião, etc.
Não posso deixar de mencionar que a rotularam também de ‘estranha’ porque enxerga o mundo em suas cores reais: Branco e Preto. É ciente que o colorido se foi há décadas. Perdido está há séculos o arco-íris da vida.
Vez ou outra vem à sua cabeça uma frase de Bob Marley : “Vocês riem de mim porque eu sou diferente e eu rio de vocês porque vocês são todos iguais”.
Saibam que seu coração nunca abrigou mesquinharias ou sentenciou audiências. Ela pensa sempre lá com seus botões: Se tivesse agido dessa forma, como a grande maioria, somente teria antecipado sua provável e irreversível cegueira, além de lhe faltar a audição. Pensa que se tivesse agido dessa forma disforme seria precocemente visitada por esses dois males.
Por fim, quando há anos resolveu ser quem realmente era e é (mesmo sendo mascarada estava mal escondida e pôde enxergar muitas coisas), ultrapassou as barreiras das sentenças que lhe impuseram e deu de ombros aos conselhos que lhe determinaram. Não liga mais quando gritam na rua por seu nome: - Estrangeira.
Atualmente, sendo quem é, saboreia momentos de felicidade e de alegria.
Em seu pedido final à minha pessoa, para transmitir a vocês essas palavras, ela quer que eu lhes diga que assegura um dia abrir a janela e ouvir gritos e mais gritos do povo pronunciando a nova maneira de ser, de realmente ser e gozando, finalmente, do frescor límpido que ainda, mesmo escondido, habita em casa um.
Dessa forma, ela crê que todos alcançariam momentos de alegria e apaziguariam suas existências tornando a vida mais delgada.
Na verdade seu desejo é que cada um tenha a oportunidade de brindar o próprio ser que existe em sua pura totalidade.
Pediu-me que lhes assegurassem: Isso não se trata de fábula.
sexta-feira, 6 de agosto de 2010
Olhinhos de brincadeirinha
Bens
Sim
gill
quinta-feira, 5 de agosto de 2010
Pilhéria
Todas as vezes em que penso sobre a vida creio mais precisamente que essa não passa de uma grande brincadeira narrada diariamente, na terceira pessoa, por não sei quem, tendo como pretensão tornar essa pilhéria menos miserável.
Acredito que esse alguém, de posse dessa prosa abjeta, quando da sua criação, ambicionou, assim, manter-nos esticados, na posição vertical, eretos, marchando rumo a algum lugar, que também não sei aonde fica e menos ainda o que pode nos oferecer. E mais, esse alguém, acreditou que dessa forma poderia nos cegar frente às injustiças que nossos olhos alcançam e, desgraçadamente, acostumaram-se a ignorar.
Esse chiste consiste no poder de desbotar um a um impiedosamente, de forma feroz. Estamos nos tornando cada vez mais singulares.
Caso o infame, ou a infame, sei lá, não tivesse tornado a vida uma piada estaríamos deitados, de peito para baixo, nas calçadas frias, lambendo a poeira adquirida através da infeliz e crescente ignorância humana.
Talvez fosse mais digno para se brincar de viver.
Quem sabe a poeira afastasse essa cegueira proposital concedida por esse alguém, que eu não sei quem é, sério, não faço a menor ideia mesmo de quem seja esse sujeito, apropriado, ao meu ver, de uma pífia estranheza e atuando eficazmente de forma deveras ordinária.
quarta-feira, 4 de agosto de 2010
A sabedoria de Mário Quintana:
Ignorante
Lembre-se antes de adormercer
Olhar para o céu
E clamar perdão ao cão.
Ignorante.
Embuste
Poeta (isa)
Minha primeira decepção por passar horas como um ser invisível
Passei a noite toda acordada de tanta ansiedade até que, felizmente, o dia clareou e eu saltei eufórica da cama.
Durante o dia todo corri de cima para baixo. Fui buscar o vestido na loja que alugava roupa de festa. Minha amiga Clara me emprestou as sandálias e a bolsinha de mão combinando com o calçado.
Pela primeira vez na vida passei horas num salão de beleza. Isso depois de ficar horas convencendo meu pai a me descolar uma grana, afinal era a primeira vez que eu iria a um evento desses. Cheguei a chorar para conseguir umas merrecas e minha mãe teve que interferir até o velho abrir a mão.
No salão fiz um montão de coisas: Pé, mão, um coque no alto da cabeça, maquiaram-me suavemente para combinar com minha pouca idade.
Merda, não sobrou um centavo. Ah, dane-se. Naquela hora tudo que eu queria era que chegasse a hora do baile.
Nunca havia me sentido tão empolgada antes. Era a primeira vez que me convidavam para ir a um bailado. Inclusive, recebi o convite em casa. Verdade.
Quando chegou a hora de sairmos de casa, meu pai foi me levar – na nossa Belina 1.978 verde musgo – bateu uma puta vergonha de chegar naquele carro. Sem a menor piedade ou remorso pedi que meu pai me deixasse a uma quadra do salão. Chegar naquele carro para todo mundo ver? Não e não.
Atravessei o salão um tanto o quanto tímida e receando cair dos saltos. Do outro lado da grande sala logo meus olhos avistaram o que eu precisava: Cadeiras. Sentei-me ereta e cruzei as pernas. Logo aceitei um ponche servido num belo copo acompanhado de um guardanapinho branco. Lindo.
Passaram-se alguns minutos. Depois vieram as horas. Minha bunda já estava meio quadrada de tanto ficar sentada na mesma posição.
Por dentro ansiava que alguém me tirasse para dançar. Vou confessar: Quando recebi o convite para o baile me imaginei dançando com um moço bem apanhado pela noite toda. No meu devaneio chegávamos a trocar diversas palavras.
Ainda em casa, recordei os passos de dança que via nos filmes da TV e ensaiei no meu quarto escondida e sozinha, claro, auxiliada por uma vassoura alguns movimentos.
Voltando para o baile: Chegou um momento em que perdi a noção do tempo. Avistei o relógio redondo do outro lado do salão que indicava o horário que eu deveria sair dali e ir para casa de Belina verde com meu pai.
Minha primeira grande e marcante decepção: Ninguém me tirou para uma mísera dança. Logo tomou conta da minha mente meus defeitos ou minha falta de beleza ou sei lá o que. Pensei feito uma doida imaginando os motivos de ter ficado o tempo todo sozinha, sentada e muda.
Já no meu quarto pensei sobre os rapazes. Formava-se ali minha primeira constatação: Como os homens são cruéis.
Depois vieram outras. Mas, deixa para lá. Isso é outra história.