O caminho...

Intento, ainda acanhada, entregar-me às letras, sílabas, palavras, frases e o que se pode obter dessa junção. Coisa linda a mistura das palavras.


Sempre fui encantada pela nossa Língua e tive a oportunidade de ter como mentora, na antiga quinta série, a professora de LP Maria Alice.

Seu saber e envolver a todos nós, seus alunos, fez-me, literalmente, apaixonar-me por uma mulher aos onze anos de idade

Paixão platônica, pueril, inocente e verdadeira. Nascida da admiração do saber e ir além fazendo os outros também participarem desse conhecimento espetacular, quanto se trata de se entregar à Língua Portuguesa.

Vivo pelos cantos, tanto internos quanto externos, de caderneta em punho e caneta entre os dedos. Do nada, vejo uma imagem ou ouço uma palavra perdida num bar e dali parto para uma história vinculada à alguma vivência minha, da infância difícil até a executiva promissora, e me abro para o mundo das letras.

Meus dedos percorrem rapidamente a caderneta anotando o que me for possível trazer à tona, num momento posterior, de pura entrega, dedicar-me a misturar palavras, ritmos, sentidos, além, de uma boa dose de singularidade.

É assim que construo sem pressa meus poemas, versos, sonetos, também minhas crônicas, prosas e contos.

Foi a poesia que me salvou de me destruir na minha mais pura e insólita melancolia.

Foi a poesia que me salvou de mim mesma, impediu que eu ultrapassasse a linha da imaginação e fosse para algum lugar nunca antes visitado.

É a poesia, o verso, a magnitude da construção literária que me mostram quem realmente sou.

Oras posso valer até um milhão, mas sei tão bem que não valho sequer um tostão.

Humana sou.

quarta-feira, 23 de junho de 2010

Carta para meu filho João Gabriel




















Sabe rapaz essa noite acordei várias vezes durante a madrugada.

O pouco que cochilei sonhei contigo de volta aqui em casa.

Sei que reproduzi no sonho meu desejo diário.

Não me recordo bem como foi o sonho, mas lembro que conversávamos sobre coisas corriqueiras, ríamos alto e enchíamos a sala de fumaça oriunda do Carlton.

Ah, lembro que tu me perguntavas se eu tinha fome.

Comendo feito um passarinho como me alimento sempre estou com fome.

Respondi que no meu estômago tinha um buraco. Já eram seis horas da tarde e eu tinha comido durante o dia todo quatro biscoitos club social e uma banana.

Tu como sempre atencioso e cuidado perguntou o que eu queria comer.

De cara respondi que queria uma pizza. Estava com vontade de comer pizza e não arroz com feijão. Você sabe que dispenso o arroz e feijão por pão ou pizza.

Você caminhou até o telefone e fez a encomenda. Pizza com coca-cola. Pizza não combina com suco, né?

Quando chegou você foi mais cordial ainda.

Como sempre eu estava enfurnada no meu quarto com meu notebook no colo digerindo palavras, então cuidadosamente você aprontou um prato, botou coca num copo, bateu na minha porta e serviu-me. Não esqueceu nem o guardanapo. Sabe que sou chata.
Menino, tu não fazes idéia do tanto que isso significa para mim. É a forma que tu demonstras teu cuidado pela tua mãe.

Lembrei de uma coisa: Quando você entrou no quarto recordei uma pergunta que tu me fizera algumas semanas atrás. Querias saber se eu tinha ciúmes de você. Respondi que não porque realmente não tenho. De volta você me disse que sentia ciúmes de mim.

Gostei de ouvir aquilo. Parece que essa frase me protegeu um pouco mais dos impactos da vida. Tive a plena sensação de que há no mundo alguém olhando por mim e tu sabes que preciso disso. Sou pisciana, lembra?

Queria te dizer que admiro tua beleza física, afinal você é muito bonito, mas queria te dizer também que, principalmente, admiro a generosidade que carregas em teu coração. Ah, tem também algo que considero dez: Tua habilidade em fazer cálculos com uma rapidez danada. Lembro de vez no Mc antes mesmo da garçonete trazer a conta tu já sabias o quanto nós pagaríamos e o quanto teríamos de troco. Cheguei a rir com tamanha precisão. Acertou na mosca.

É claro que admiro muitas outras coisas em ti também. Admiro tua facilidade em enturmar-se. És um geminiano nato. Admiro tua personalidade honesta e positiva. Tens sempre uma palavra a me dizer que eleva minha auto-estima. Sério.

Admiro a capacidade que tens e, sempre teve, de me desvendar enquanto mãe, enquanto mulher, enquanto ser humano. Como foi que tu conseguiste conhecer-me tanto? Reconhece-me pela face. Sabe quando estou deprimida, melancólica, nervosa, aflita ou feliz. E me acolhe. Agradeço por sempre me acolher. Preciso tanto disso.

Admiro também o fato de você perceber tudo que altero em minha aparência física. Sabias que nenhum dos meus namorados reparou em mim como tu reparas? Percebes quando tiro as pontas do cabelo, percebes quando pinto a raiz, repara até quando faço as unhas. E como és gentil.

Todos os dias tens um elogio para mim. Isso me faz um bem danado. Ajuda pra caramba a elevar minha auto-estima. Quando tu me elogias sei que estás sendo verdadeiramente honesto. E também verdadeiramente honesto quando reclamas ao me ver desleixada (coisa rara, né?).

Sabe rapaz quando você chora por algum motivo e mesmo já homem feito procura meu colo para lacrimejar eu me sinto privilegiada.

Acredito que demonstras assim que confias em mim. Acredito que tu reconheces dessa forma que meu carinho, amor e presença estão sempre ao teu lado e tens ciência disso. Acho que é por isso que fica tão à vontade com a cabeça no meu colo e os olhos lacrimejando, sem cerimônia em molhar minhas saias.

Vou te confessar uma coisa: Adoro quando pedes para dormir na minha cama. Relembrum quando tu ainda pequenino vez ou outra aparecia no meu quarto fazendo manha para que eu permitisse que você ocupasse noite adentro um espaço junto comigo.

Você não tem vergonha de assumir sua tristeza e a necessidade de adormecer, vez ou outra, perto de mim para eu te ninar. Acho isso bonito.

Também acho bonito quando eu ligo no teu celular e tu mesmo rodeado de amigos me respondes de acordo, ou seja, eu sempre digo no final da ligação que te amo e você fala o mesmo em voz alta sem se intimidar com a presença dos amigos. Percebo que alguns riem e tu nem ligas. Admiro isso.

Pensando bem acredito que além de ser tua mãe sou tua fã. Sinto que isso é recíproco. Saibas que essa forma de admiração através do carinho serve para mim como alimento e força para eu enfrentar a vida.

Resolvi escrever para ti porque meu coração é só saudade. Tenho contado dias, horas, minutos, segundos para te ter de volta em casa e todos os dias eu sair recolhendo pela sala as meias que tu deixas desleixadamente. Já me acostumei. Às vezes você vê que fico de saco cheio e não pego nenhuma. Deixo lá por dois ou três dias até eu ficar bastante incomodada e acabar por recolher.

E quando tu metes a mão na cozinha então. Tens uma criatividade que eu desconheço. Pena que deixa a pia uma bagunça só. Mas no fundo no fundo vale a pena porque assim comemos algo gostoso e diferente.

Sei que quando voltares terás aprendido vários pratos diferentes. Fico contente porque vou passar bem. Deixarei o miojo, o pãozinho e o suco de lado.

O que me consola quanto a isso é que avisei você e seu irmão ainda pequenos que a cozinha era (e é), meu calcanhar de Aquiles. Em vez de estar perante as panelas prefiro, sem dúvidas, estar perante meu notebook lidando com as palavras ou assistindo um bom filme em DVD.

Há algo que me enriquece: A união que estabelecemos, os três, aqui em casa. Proporciona-me paz.

Bem meu garoto escrevi porque me deu uma vontade danada de falar contigo. Amanhã boto essa carta no correio.

Tenhas sempre em tua mente e em teu coração que tua mãezinha está e estará sempre inundada de amor para te apoiar em todos os momentos em que precisares na tua vida.
Esse peso filho você vai carregar.

Será que vou ser igual a vó Maria que mesmo eu estando com quarenta e sete anos ainda me liga para saber se eu almocei? Não, eu não fiz catorze anos de terapia à toa. Cuidarei sempre para não sufocar você e o Pedro Henrique.
Faz parte dos meus quereres vê-los seguindo seus caminhos e, principalmente, vê-los felizes em suas escolhas. Acredito que a pureza que carregam no coração nunca deixará nenhum de vocês.

Se deus existe (sabes das minhas inquietações), fique com ele meu filho.

Com amor

Mãezinha (adoro a forma como tu me chamas).

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