O caminho...

Intento, ainda acanhada, entregar-me às letras, sílabas, palavras, frases e o que se pode obter dessa junção. Coisa linda a mistura das palavras.


Sempre fui encantada pela nossa Língua e tive a oportunidade de ter como mentora, na antiga quinta série, a professora de LP Maria Alice.

Seu saber e envolver a todos nós, seus alunos, fez-me, literalmente, apaixonar-me por uma mulher aos onze anos de idade

Paixão platônica, pueril, inocente e verdadeira. Nascida da admiração do saber e ir além fazendo os outros também participarem desse conhecimento espetacular, quanto se trata de se entregar à Língua Portuguesa.

Vivo pelos cantos, tanto internos quanto externos, de caderneta em punho e caneta entre os dedos. Do nada, vejo uma imagem ou ouço uma palavra perdida num bar e dali parto para uma história vinculada à alguma vivência minha, da infância difícil até a executiva promissora, e me abro para o mundo das letras.

Meus dedos percorrem rapidamente a caderneta anotando o que me for possível trazer à tona, num momento posterior, de pura entrega, dedicar-me a misturar palavras, ritmos, sentidos, além, de uma boa dose de singularidade.

É assim que construo sem pressa meus poemas, versos, sonetos, também minhas crônicas, prosas e contos.

Foi a poesia que me salvou de me destruir na minha mais pura e insólita melancolia.

Foi a poesia que me salvou de mim mesma, impediu que eu ultrapassasse a linha da imaginação e fosse para algum lugar nunca antes visitado.

É a poesia, o verso, a magnitude da construção literária que me mostram quem realmente sou.

Oras posso valer até um milhão, mas sei tão bem que não valho sequer um tostão.

Humana sou.

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Pai


pai lembra quando eu te conheci?
você já era assim
meio fanfarrão
gordinho meio sim meio não
um pouco moleque
disfarçado num meninão
meio de lá
vindo dum canto talvez de cá
isso nunca ninguém saberá
com firmeza firme afirmar
o porque e o então
de você ser esse homem grandão
tanto por dentro quanto por fora
meio vento meio viola...

pai lembra quando eu te conheci?
você já era assim
do faz agora
do não deixa pra lá
do traz pronto
pronto pra comer
feito pra fazer
feito na hora
sem deixar pra requentar
encomendado a ser entregue
quando a gente quisesse
ou quando a gente resolvesse
ou pensasse que a barriga
tava meio vazia
essa era a hora
que a gente pedia
pra você sem precisar
pedir não

toda vez era um que fazia
um de nós
safado
sem vergonha
meio ludibriando
te apoquentando
e você tão paciente
tão querendo ser nosso
ser nossa gente
pai você sabia
que podia entender bem
o que era
como se fazia
capricho de criança
coisa rara
desconhecida
aprendida
através de ti
que aconteceu
de forma tão amendrontada
pela vida
pudera
até então
para os quatro esquecida
afugentada
quase que algemada
alma
alma partida
pai deixa pra lá
eu tô perdida

eu tô com medo
meu medo é grande
essa porcaria
noite e dia
a doer
meu estômago vazio
a água nem querer
comida então
só recusar
esse vão
na minha barriga
isso porque
dói saber
que dói em você
qualquer coisa da vida
pai eu não queria
te fazer sofrer
mas eu preciso dizer
que hoje eu chorei
porque eu sei
que você sabe
que todo mundo vê
você mais magro
você mais fraco
você doente
você assim
diferente
para mim
e o meu cigarro
e agora?
o que que eu faço?
saio correndo
pego teu braço?
fujo pela porta da sala
me mato
vou embora
saio daqui
não vejo a hora
isso tudo
quero não
quero sentir
medo não
nem dor
no meu coração
pai
eu te amo tanto
por favor
faz isso não
levanta daí
vamos passear
na pracinha
tudo bem
bem devagar
eu e você
a gente toma
um picolé
tudo bem
você escolhe
o sabor que mais quer
eu deixo dessa vez
você decidir por mim
mas pai
não faz isso comigo
eu sinto
meu corpo sente
meu coração sente
meu corpo dói
minha cabeça gira
meu coração está apodrecendo
te vendo aí deitado sofrendo
pai levanta logo
você não foi feito
pra ficar desse jeito
você não pode
não é teu
esse direito
vem pra cá
escuta essa canção
essa melodia
que toca
na radiola
do meu coração
só diz assim
te amo tanto
te amo muito
te amo sempre
te amo muito
te quero aqui
perto de mim
vem pra cá
me deixa não
sozinha
morro aqui
de solidão
sem ti
sou nada
viajo
na contra mão
da vida
feita
para se viver
e assim
pai
sou eu
que agora
paro aqui
para morrer
de dor
de saber
que um dia
eu posso
perder você
me mato antes
porque isso
suporto não
sou fraca
covarde
minguada
podre
sem casca
descacada
pai desculpa aí
o desabafo
paro agora
tô sem fôlego
tô sem amar
só tenho em mim
o resto do direito
de saber que sou
eu tua filha
e posso
com minha garra de trapo feito
feito covarde
feito ninguém
poder pedir
a deus
esse homem
do além
que me deixe
aqui
aos teus pés
a pedir perdão
por te querer tanto
e ser egoísta
e saber somente
o que a gente sabe
quando a gente sente
no peito
no coração
esse amor
que não se mede
que não se nivela
que não se compara
que não se diz
que não se fala
esse amor
que tem aqui
em mim
e é teu
por fim
meu pai
querido
meu amado
amigo
pai
preciso ainda te agradecer
a chance de pode ver
a oportunidade de conhecer
o que é
amar um homem
sem saber
mas sabendo sem querer
que ele
foi e é
e para sempre somente haverá de ser
o pai que sempre se quis ter.

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