O caminho...

Intento, ainda acanhada, entregar-me às letras, sílabas, palavras, frases e o que se pode obter dessa junção. Coisa linda a mistura das palavras.


Sempre fui encantada pela nossa Língua e tive a oportunidade de ter como mentora, na antiga quinta série, a professora de LP Maria Alice.

Seu saber e envolver a todos nós, seus alunos, fez-me, literalmente, apaixonar-me por uma mulher aos onze anos de idade

Paixão platônica, pueril, inocente e verdadeira. Nascida da admiração do saber e ir além fazendo os outros também participarem desse conhecimento espetacular, quanto se trata de se entregar à Língua Portuguesa.

Vivo pelos cantos, tanto internos quanto externos, de caderneta em punho e caneta entre os dedos. Do nada, vejo uma imagem ou ouço uma palavra perdida num bar e dali parto para uma história vinculada à alguma vivência minha, da infância difícil até a executiva promissora, e me abro para o mundo das letras.

Meus dedos percorrem rapidamente a caderneta anotando o que me for possível trazer à tona, num momento posterior, de pura entrega, dedicar-me a misturar palavras, ritmos, sentidos, além, de uma boa dose de singularidade.

É assim que construo sem pressa meus poemas, versos, sonetos, também minhas crônicas, prosas e contos.

Foi a poesia que me salvou de me destruir na minha mais pura e insólita melancolia.

Foi a poesia que me salvou de mim mesma, impediu que eu ultrapassasse a linha da imaginação e fosse para algum lugar nunca antes visitado.

É a poesia, o verso, a magnitude da construção literária que me mostram quem realmente sou.

Oras posso valer até um milhão, mas sei tão bem que não valho sequer um tostão.

Humana sou.

quarta-feira, 16 de março de 2011

Crueldade



Balança criança
Balança bastante
Balança agora
Balança sem pensar na demora 
Afinal, depois há de vir a hora
Na qual a ti ordenarão
Que daqui, sim, 
Desse canto
Desse lugar
Saias correndo
Jamais devagar
Saias correndo 
Não batas a porta
Mas, parta 
Parta já
Vá embora
Embora tu irás.


Balança criança
Balança bastante
Balança agora
Balança sem pensar na demora  
Afinal, depois há de vir para ti
Dias e dias
Afinal, depois há de vir para ti 
Horas e horas
Onde tu, sequer, por um único momento, 
De quaisquer sofrimentos deixarás de partilhar.


Tua vida, criança pequena, por completo, haverás de lastimar
Teu ser, criança pequena, por completo, haverás de lacrimar
Afinal, foi essa a oferta que recebestes 
E nela te enquadrastes 
E perante ela continuarás, durante tua existência, a se enquadrar.


Criança, da vida somente isso tu terás
Criança, da vida somente isso tu albergarás.


Balança criança
Balança bastante
Balança agora
Balança sem pensar na demora 
Enquanto isso eu continuarei parada aqui 
Nesse canto, nesse lugar
De ti escondida 
De mim bem protegida
Enquanto isso eu continuarei aqui
Nesse canto, nesse lugar
De ti escondida
De mim, por demais, protegida.


Foi aqui nesse lugar que há tempos estanquei
Será aqui nesse lugar que haverei de um dia findar
Resolvi
Resolvido está
Daqui não ouso sair
Daqui não ouso sequer pensar 
Em outro canto buscar para me abrigar 
Desse lugar não passa pela minha mente
Nem de longe um dia me afastar.


Foi aqui, nesse lugar, que encontrei um pouco de harmonia
Capaz de apaziguar os murmúrios da minha alma
Foi aqui, nesse lugar, que encontrei algo capaz de sublimar meus pensamentos
Também foi aqui, nesse lugar, que encontrei, algo que não sei ao certo como denominar, 
Sei apenas que aconteceu e conseguiu abafar minha agonia tão seca e tão fria.
Isso tudo ocorreu em momentos esmerados, pouco a pouco, momentos inesperados
Mas satisfez necessidades que habitavam meu ser
Conseguiu, assim, de mim subtrair um pouco do mal estar 
Esse que vive dentro de mim, latente,  percorrendo meu corpo dia após dia
Sem me permitir só ficar
Vive em mim 
Pela manhã
Pela tarde
E pela noite
Vive em mim
Frequente
Vive em mim 
Diariamente. 


Perdoa criança se me desviei de ti
Volto agora desejando ferrenhamente te suster
D'onde estou sentada consigo, por completo, enxegar-te
D'onde estou sentada, rente à essa muralha, consigo, por completo, observar-te 
Calada pairo
Calada permaneço
Acanhada teus gestos reparo 
Amedrontada teus movimentos acompanho 
E, por fim, alinho o que percebo de ti em meus pensamentos
Não movo um gesto em tua direção
Não sou capaz de nenhuma ação
Não sou capaz de qualquer reação
Diretiva alguma posso lhe oferecer
Diretivas nenhuma sei eu reconhecer
Delas nada consigo vislumbrar
Delas nada consigo eu fitar para entender. 


Infelizmente, não posso eu deixar de perceber
Uma tristeza branda a emanar, nesse momento, tua face rosa 
Repentinamente, paralelo a esse triste olhar
Avisto  num instante rápido 
Tua face reluzir 
Junto com essa breve luz
Esboças tu um meio riso.


Daqui, creio que por ti, repito teu gesto
Esboço também um riso lateral
Pois vi, vi sim em teus olhos negros 
Um fiasco de claridão 
Fazendo parecer que sonhastes algo bonito
Fazendo parecer que um sonho plantaram em teu coração
Mesmo sendo um brilho relampagueado
Revela, criança pequena, uma dose de alegria
Intrigada recorro ao motivo que possa ter te afetado
- Será que enquanto tu rodavas e rodavas 
Pensavas tu que alguém a tomara nos braços
E ao som de uma bela melodia 
Embalava teu corpo cansado
Fazendo tu saborear, pela primeira vez,
O doce prazer de ninada por alguém ser? 


Volto a mim
Eu, tão vil, continuo de ti a me esconder
Eu, tão vil, continuo de mim mais e mais a me afastar
Terei eu que ir até tu para dizer
Que não há espaço algum no meu ser
Que talvez pudesse tua candura acolher. 


Volto a mim
Eu, tão vil, fiz-me pobre, empobreci
Eu, tão vil, fiz-me podre, minha alma perdi
Eu, tão vil, fiz-me devassa, e meu coração longe lancei 
Meu coração, criança pequena, lancei todinho ao chão.


Só me resta agora por ti lamentar
Por quando o mundo tu adentrou 
Cruéis foram os que te receberam
Ao lhe ofertarem somente 
Os restos e as sobras fazendo de ti 
Já, um pequeno indigente para assim a  vida levar
Nada de pão
Nada de água
Nada de teto
Menos ainda amor e afeto.


Sozinha te deixaram no percurso que para ti arquitetaram
Sozinha te esqueceram na jornada que para ti foi ofertada
Não permitiram sequer que aprendestes uma prece
Não permitiram sequer que conhecestes uma oração
Para, ao menos, durante os momentos mais árduos da tua jornada
Pudesses com uma reza tua alma acalmar e tua estrada limpar. 


Sendo assim, recorro ao direito que me resta de imposição
Denomino ordinário esse alguém que ao mundo te trouxe nessas condições
Denomino ordinário esse alguém que para tu existir 
Apenas ofertou mendigar dia e noite, noite e dia, sem parar
Denomino ordinário esse senhor que pensa deter nas mãos o poder
De vidas e vidas arruinar sem nenhuma compaixão aos desgraçados apresentar.


Na minha memória guardarei secretamente, criança 
O pouco que de ti pude conhecer
Na minha memória guardarei secretamente, criança
O pouco que da tua existência consegui saber
Na minha memória guardarei secretamente, criança
O quão árduo é e continuará a ser
Tu no mundo a lutar fervorosamente para sobreviver
Quanto à tua existência assemelho a minha, criança
Fomos denominadas a saborear o desgosto que a vida pode doar
Fomos escolhidas a penar mágoas e dores sem sequer termos o direito dos olhos poder molhar. 


Insisto em te dizer
Continuarei eu a me refugiar
Continuarei eu a me esconder
Perdão, mas tudo que posso lhe propor
É que aprenda com isso e faça o mesmo
Somente assim teu eu em teu ser mais leve poderá soar.


Siga teu caminho e continue a ser somente a sombra
Não permita que a luz clareie tua imagem
Se isso por ventura ocorrer
Todos de ti mangarão 
Todos de ti se afastarão
Todos de ti haverão de lhe amaldiçoar
E desejar que conheças precocemente
O inferno para nele teu corpo queimar.


Perdão criança, não tenho nada belo a te dizer
Perdão criança, não posso ir em tua direção
Contrário fosse, arrastá-la iria pela mão
Contrário fosse, arrancá-la desse fétido lugar faria 
Entretanto, nada do que se supõe vinga agora
Entretanto, nada do que se supõe um dia haverá de vingar. 


Recorro agora ao lúdico e ponho-me a imaginar
Nós duas sentadas num lugar montanhoso
A acompanhar o sol se recolhendo
E a noite consigo trazendo
Estrelas e mais estrelas
Para que pudéssemos uma a uma contar.


Sinto, tudo isso é apenas um retrato 
Da minha mente, essa que vive a alucinar
Nada de nada haverá de acontecer
Tudo da mesma forma, igual, haverá de permanecer. 


Só me resta, então, pedir teu perdão
Por ser eu desprovida de bênção
Por ser eu desprovida de coração
E por carregar na pele os cortes
Desenhados pela minha solidão. 


Faz-se hora
Daqui preciso ir
Daqui preciso sair
Daqui vou-me embora
Daqui tenho, em verdade, é que fugir
Por completo me afastar
Tanto de ti quanto do teu lugar
Para finalizar
Se um dia tu resolver teu perdão a mim doar
Procure-me por aí, sugiro que vasculhe primeiro os becos
E ao me encontrar, peço por favor, que grites alto, bem alto
Para que eu possa além de ouvir também absorver
Que por ti perdoada fui 
Sendo assim haverei de diminuir
A culpa que carrego comigo e parece não ter fim.


Vem à minha cabeça uma interrogação:
- Serás tu a pessoa capaz de abrandar
Todo o mal que em mim existe
Todo o mal que em mim há?


...Reparastes, criança pequena,
Começamos por ti
E findamos em mim...






















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