O caminho...

Intento, ainda acanhada, entregar-me às letras, sílabas, palavras, frases e o que se pode obter dessa junção. Coisa linda a mistura das palavras.


Sempre fui encantada pela nossa Língua e tive a oportunidade de ter como mentora, na antiga quinta série, a professora de LP Maria Alice.

Seu saber e envolver a todos nós, seus alunos, fez-me, literalmente, apaixonar-me por uma mulher aos onze anos de idade

Paixão platônica, pueril, inocente e verdadeira. Nascida da admiração do saber e ir além fazendo os outros também participarem desse conhecimento espetacular, quanto se trata de se entregar à Língua Portuguesa.

Vivo pelos cantos, tanto internos quanto externos, de caderneta em punho e caneta entre os dedos. Do nada, vejo uma imagem ou ouço uma palavra perdida num bar e dali parto para uma história vinculada à alguma vivência minha, da infância difícil até a executiva promissora, e me abro para o mundo das letras.

Meus dedos percorrem rapidamente a caderneta anotando o que me for possível trazer à tona, num momento posterior, de pura entrega, dedicar-me a misturar palavras, ritmos, sentidos, além, de uma boa dose de singularidade.

É assim que construo sem pressa meus poemas, versos, sonetos, também minhas crônicas, prosas e contos.

Foi a poesia que me salvou de me destruir na minha mais pura e insólita melancolia.

Foi a poesia que me salvou de mim mesma, impediu que eu ultrapassasse a linha da imaginação e fosse para algum lugar nunca antes visitado.

É a poesia, o verso, a magnitude da construção literária que me mostram quem realmente sou.

Oras posso valer até um milhão, mas sei tão bem que não valho sequer um tostão.

Humana sou.

segunda-feira, 30 de junho de 2008

"Embriaguem-se" by Baudelaire

É preciso estar sempre embriagado. Aí está: eis a única questão. Para não sentirem o fardo horrível do Tempo que verga e inclina para a terra, é preciso que se embriaguem sem descanso.

Com quê? Com vinho, poesia ou virtude, a escolher. Mas embriaguem-se.

E se, porventura, nos degraus de um palácio, sobre a relva verde de um fosso, na solidão morna do quarto, a embriaguez diminuir ou desaparecer quando você acordar, pergunte ao vento, à vaga, à estrela, ao pássaro, ao relógio, a tudo que flui, a tudo que geme, a tudo que gira, a tudo que canta, a tudo que fala, pergunte que horas são; e o vento, a vaga, a estrela, o pássaro, o relógio responderão:

"É hora de embriagar-se! Para não serem os escravos martirizados do Tempo, embriaguem-se; embriaguem-se sem descanso". Com vinho, poesia ou virtude, a escolher.

quinta-feira, 26 de junho de 2008










"...O melancólico é um 'habitante do imaginário'.

No imaginário o 'tempo não passa'. No imaginário vive-se em luto permanente..."

by Julia Kristeva

terça-feira, 24 de junho de 2008

Sentinela










Alimento-me de poesia,
Dela arrebato o alento.
Quando o mantimento escassear,
Desde já anuncio:

Abrasem meu corpo,
Olvidem-no de qualquer cerimonial.
Suprimam o burlesco jogral e
Respinguem até o final.

Ofereçam-me a difusa paz e
Desfiarei minha vida
Em sua largueada saída.

sábado, 21 de junho de 2008

Supressão

Pouco a pouco se alivia em movimentos sossegados,
Pondera ser inconsciente,
Sorridente bem sabe que não
Elegeu perecer a desejo planeado
Sem bênção e apagados os seus pecados.

Enquanto desfalece desfruta
A ponte suspensa conquistada
Escolheu a forma para ir embora
Ajuíza agora clemência por fora.

No seu perecimento suplica
Não padecerá preces ou complacências
Tampouco alheia estará às incumbências.

Ambiciona algum acolhimento
No minuto que antecede o final
Sua última etapa,
Sorvida pelas águas do mal.

Morrediça há algum tempo -
Não sabe precisar bem quanto -
Ah, lembrou-se: Em apoucadas doses o corpo fragmentou,
Em seguida a alma branca secou.

Feito pomba, feito nuvem
Feito semblante velado
Por gente distante
Eles, os tais mascarados.

Tragou, arrancou, risonha amou
Pena, prontamente, de novo, o soluço a encontrou
Há que se evidenciar: Desnudou-se, por completo, essa mulher
Transpôs seu aclamado e antigo pudor!

Já sente a leveza do casco desmobiliado
O ar estendê-lo-á até findar
Quanto à gêmula que aplaclara seu coração
Correu apressada,
Fez-se densa a destruição.

Desconhece o sim, não reconhece o não.

Nesse ínterim afastou o amor e as vestes arrebatou
Numa ladeira escura os calçados abandonou
Goza agora a fúria da sua única dor
Porém, capacitou-se em tirar proveito: Lágrima alguma restou.

Memoriou tempos passados
Talvez uma desconfiada salvação
Ligeira e sem tardanças abortou
Desfez-se da preocupação.

Expira plácida e plena, ressoa serena
Também pura e grandiosa a moça pequena
Embebedar-se-á noite afora
Naquele boteco remanente, de frente.

Soberba seus últimos momentos vigiará
Reivindicou dizer adeus
Ao tosco que a atravessou
Impulsiona os olhos, chega, chegou. Suspira, suspirou.

Jaz ali mais uma mulher...

quinta-feira, 19 de junho de 2008

Aditamento

Quiçá passado o furacão
Eu possa mais uma vez,
Em vão,
Circular tua vizinhança.

- Abafar-me em teus braços?
Inda versas assombrosas distâncias...
Olvida agora, assaz,
A audaciosa e enferma esperança!

sexta-feira, 13 de junho de 2008

Carlos Drummond de Andrade

"Entendo que poesia é negócio de grande responsabilidade e não considero honesto rotular de poeta quem apenas verseje por dor-de-cotovelo, falta de dinheiro ou momentânea tomada de contato com as forças líricas do mundo, sem se entregar aos trabalhos cotidianos e secretos da técnica, da leitura, da contemplação e, até mesmo, da ação”.

A angústia - (Desalento) by Jean Paul Sartre

A responsabilidade por todo o mundo é um fardo pesado para qualquer pessoa.

A angústia existencial decorre da consciência de que são as escolhas dessa pessoa que definem o que ela é ou se tornará. E também por saber que estas escolhas podem afetar, de maneira irreparável, o próprio mundo.

A "angústia" decorre, portanto, da consciência da liberdade e do receio de usar essa liberdade de forma errada.

É muito mais fácil acreditar que existe um plano, um propósito no universo, e que nossos atos são guiados por uma mão invisível em direção a esse propósito. Neste caso, meus atos não seriam responsabilidade minha, mas apenas o meu papel em um roteiro maior.

Mas Sartre nos dá mais um de seus conceitos em oposição a essa crença: Não há um propósito ou um destino universal. E o homem diante desta constatação se desalenta.

O desalento é a constatação de que nada fora de nós define nosso próprio futuro. Apenas nossa liberdade.

segunda-feira, 9 de junho de 2008

Plaustro (Ou 'Esperou pelo sol...').


Esperou pelo sol, insensível não o acudiu
Ateou lembranças distantes, vãs, dispensou-as
Inquiriu nas palavras algum sentido à vida
Não dominou signos nem significados; chorou assentado.

Impelido visitou botecos, contornou vielas
Vias, alamedas e passarelas
Entretanto, nas passagens exausto desbotou
Cambaleado o chão, pela primeira vez, enxergou.

Com uma manta verde se adornou
Intentando não mais seguir caminho
O corpo contrário tremeu acelerado
Mesmo desprovido partiu derrocado.

Seus pés lamosos perderam-se
Um verdadeiro vai e vem
Rapidamente transformou-se em nada
Constituiu-se em mais um ninguém.

Dores no corpo ecoaram suas mágoas
Cercou-se de pastilhas, gotas e agulhas
Pouca alegria aventurou,
Desnudado quis despir sua existência - tarde recuou.

Pensou na morte como solução para a vida
Mesmo com as lentes quebradas de tempos atrás
Quando já aporrinhado clamava algum tipo de paz.

Ofuscado e fiel concluiu
Suas tristezas a ruína acolherá
Nela há de encontrar beleza e serenidade
Ultimadas numa cama branca e asseada.

Mas, seus olhos ainda infantis
Não perderam o lacrimejar
O medo do medo o assaltou e fez-se fiel e parceiro
Um verdadeiro companheiro.

O que fez dele? O que fez por ele?
Respostas cruas vieram-lhe a mente
Junto com o medo, seu amigo alanhado,
A cabeça rodou e o mundo girou.

Ainda assim remoeu possibilidades
Prendeu-se a um antigo lugar
A corda invitando mais tempo
Algo a lhe acompanhar.

Golpeado, o chão novamente fitou
Pingos ensangüentados escorreram
Pelas pernas magras e trêmulas
Ardilosamente acanhado desmoronou.

Resolveu pedir ajuda, gritou por socorro
Todavia, não havia mais ninguém, lembram-se?
Partiram em seus barcos azuis
Folgazões navegando mares e marés hostis.

Agora mais pobre, caluniado e doente
Tornou-se transparente, quase invisível
Seu rosto deslembrado para trás ficou
Nenhuma bóia a esse homem sobejou.

Rastejante encontrou o trecho indicado
Caminho confuso, percurso bifurcado
Achacado não reconheceu o passado
Seu coração soa em vão, grita inutilizado.

Restaram-lhe algumas manchas escuras no peito
Borbotando um liquido morno e avermelhado
Faz-se casto, puro e enlouquecido
Enfim, seu lugar encontrado e merecido.

Um punhal de osso dourado no peito fincou
Pelo pai, quando vivo, a ele doado
Ostentou, dias ao vento, ali, bem alojado.

Nuvens claras teimam e figuraram pelo ar
As janelas estão semi-abertas e as portas encostadas
Porém, seus olhos acuados
Dificultam reparar, desviam o admirar.

Igrejas, prédios, campos de futebol
Fez-se puro silêncio.
A pouca esperança atrás descartada
Carente se esgotou e com o punhal de osso dourado findou.

Escreve emaranhado, o estômago vazio
Pensa numa prece, oração
Ou num trecho de alguma canção
Esqueceu-as; o corpo já arrebata o frio.

Seu coração opaco escora a descobrir
O que exclamou e perpetuou nunca existir
Exausto conclui que se enroscou por completo
Nos cadarços de seu tênis amarelo e indiscreto.

Restaram-lhe alguns pensamentos
Bem sabe que água não entornará
O corpo miúdo e desprovido
Não incluirá como se afogar.

Casualmente avista sua pretendente
Uma fogueira bela e candente
A ela esse homem pertence
Alquila seu braço e ruma um caminho diferente.

Terras áridas visitarão
Por nada esperam, bem sabem, nada terão
A companheira o informa:
- A água doce o mar sugou e graceja sem perdão.

A partida principiou, logo há de cessar
Aqueceu-se por completo no fogaréu
Nenhuma alma a contemplá-lo lá do céu.

Dedico esse poema à amiga Gilmara.

domingo, 8 de junho de 2008

Pequeno desabafo de dor...



Minhas lágrimas transformam-se em tristezas,
Minhas tristezas compõem-se de mágoas,
Das minhas mágoas brota o desprezo
Do meu desprezo vem a insignificância.

Àquele que me faz chorar,
Um dia tornar-se-á, para mim, nada.
Eis a representação encontrada
Para resistir e prosseguir existindo.

(P/ ti M.)