O caminho...

Intento, ainda acanhada, entregar-me às letras, sílabas, palavras, frases e o que se pode obter dessa junção. Coisa linda a mistura das palavras.


Sempre fui encantada pela nossa Língua e tive a oportunidade de ter como mentora, na antiga quinta série, a professora de LP Maria Alice.

Seu saber e envolver a todos nós, seus alunos, fez-me, literalmente, apaixonar-me por uma mulher aos onze anos de idade

Paixão platônica, pueril, inocente e verdadeira. Nascida da admiração do saber e ir além fazendo os outros também participarem desse conhecimento espetacular, quanto se trata de se entregar à Língua Portuguesa.

Vivo pelos cantos, tanto internos quanto externos, de caderneta em punho e caneta entre os dedos. Do nada, vejo uma imagem ou ouço uma palavra perdida num bar e dali parto para uma história vinculada à alguma vivência minha, da infância difícil até a executiva promissora, e me abro para o mundo das letras.

Meus dedos percorrem rapidamente a caderneta anotando o que me for possível trazer à tona, num momento posterior, de pura entrega, dedicar-me a misturar palavras, ritmos, sentidos, além, de uma boa dose de singularidade.

É assim que construo sem pressa meus poemas, versos, sonetos, também minhas crônicas, prosas e contos.

Foi a poesia que me salvou de me destruir na minha mais pura e insólita melancolia.

Foi a poesia que me salvou de mim mesma, impediu que eu ultrapassasse a linha da imaginação e fosse para algum lugar nunca antes visitado.

É a poesia, o verso, a magnitude da construção literária que me mostram quem realmente sou.

Oras posso valer até um milhão, mas sei tão bem que não valho sequer um tostão.

Humana sou.

sexta-feira, 25 de julho de 2008

Situação

Abate o nó,
Bota fora a corda,
Mas logo em seguida,
Ainda fraco e acanhado,
Põe-se a procurá-la...
Infelizmente, nada.
Não há como remediar
Sua ausência sancionada.
Fatigado,
Deita-se no chão escuro,
Deita-se no chão encaroçado,
E finge um mundo novo, velado.


sexta-feira, 18 de julho de 2008

Falácia

Palavras tortas, sombreadas
Amarelas, amareladas
Assombros, assombradas
Tropicais,
Velejas, velejais.

Saibas:
Não me enganas mais.

És veneno de serpente,
Homem mau que transformou,
Em ódio, o que antes,
Eu apelidava puro amor.

segunda-feira, 14 de julho de 2008

Roland Barthes

"Como homem ciumento eu sofro quatro vezes: por ser ciumento, por me culpar por ser assim, por temer que meu ciúme prejudique o outro, por me deixar levar por uma banalidade; eu sofro por ser excluído, por ser agressivo, por ser louco e por ser comum".

terça-feira, 8 de julho de 2008

Consternação

Embirro coronhada
Fabulo melindrada
Por demais atontada
Sem meu amor pra eu amar
Sem meu amor pra me amar.

Dia após dia nas estradas
Pelas noites, só e desocupada.
Ainda lúcida primando
Arremato e
Finalizo poetizando.

Escavo alguns lugares,
Freqüento igrejas, bordéis e bares,
Reparo nos cantos,
Nos ambientes afastados,
Nas esquinas,
E, particularmente, em suas ruínas.

Revejo alguns vizinhos,
Sempre tão sós,
Tão sozinhos.

Depois da ilusão espalhada,
Num curto tempo desandada,
Laçou, laqueou
O lado certo e certeiro acertou.

Abrigou-se no meu corpo
Minha cabeça rodou e rodou
O coração solitário,
Novamente blefou,
Um terceiro ensaio circundou.

Renasci,
Acendi,
Elevei,
Luz branda, luz clara, clareei.

Uma vida a sós,
Uma vida a dois,
Uma vida a três.
Ou quem sabe
A quatro,
Cinco,
Ou seis.

Hoje ainda amargurada,
Com as costas queimando e raspadas,
E uma história para lhes contar:
Após períodos enlevada
Fui do meu caminho
Levianamente desviada.

Calei,
Permaneci calada.
Mentiras e
Mentiras conheci
Visitei-as, percorri.

Tomei café sem açúcar
Saboreei a refeição
Apontada de janta
Jantei,
Janta com pão.

Reparo agora nas paragens
Homens,
Mulheres,
Indigentes e
Crianças...
Crianças sempre carentes.
Escancaro a porta da frente,
Quem quiser, fique a vontade, entre.

Inclino-me na janela,
Contemplo o céu azul
Por alguns segundos penso
Num sim ou num não.
Resposta iluminada ou
Sagrada eu dispenso
Careço não.

Busco a torneira da pia,
E esfrego minhas mãos.
O cheiro de uva permanece
Abraçou-me,
Fortaleceu-me,
Fez-me intensa,
Garantida,
Fez-me TUA INIMIGA.

Dei pra distanciar
Você igual
A ação duplicar.

De lá pra cá
Vagas, vagueio
Meu amor, seu amor, sem amor,
Os dois apaixonados e,
Equivocadamente, envenenados.

Entupo-me de ópio
Quero o mais simplificado
Quanto a você de novo embriagado
Precisando me esquecer.
Eu uma resposta por merecer,
Ainda perguntando por quê...

- Porque eu?
- Porque esse lugar?

Nada de explicação
As questões retornam vazias
Pouco saudáveis,
Menos sadias.
Eu distante de ti,
Da tua vida.

Logo o sol partirá
Continuarei aqui nuveada
Nas minas tardes raivosas
Nas minas tardes espaçadas.

Já nas madrugadas frias,
Ou congeladas,
Ajoelho-me na beirada da cama
E não encontro aquele que me ama.

Mais uma noite sem dormir
Outra noite sem sentir
Teu corpo no meu
Como antigamente.
Repara:
Meu coração ainda mente.
Ouvi que ilusão passa
Que nada é permanente.

Rezo sem crença
Não sou mulher de fé
Sou pecadora
Remei minha maré.

Giro na cama,
Vigio o som do interfone,
Deitado ao meu lado
Um amigo ingrato
O aparelho de telefone.

A manhã chegou
Esqueça,
Esqueço,
Escape,
Eis minha oferenda.
Enquanto isso borboleteio
Sou puro rancor,
Creias que para sempre
Meu ódio conquistou.

Quem sou eu... O que sou eu...


Convenço-me:
- Uma mistura de povo e suplício
Atentando qualquer sacrifício
A esperar a hora sagrada
Onde lagrimarei envenenada.

terça-feira, 1 de julho de 2008

Criado Mudo

Está desempregado
Sofre o destempero
Dos que pranteiam calados
Sem exageros.

Há dias não come
Palavras não menciona
Nesse momento está sentado
Num canto da cozinha.

O piso é de cimento puro
Logo nota o fogão:
Sujo,
Envelhecido e
Mudo.

Momento by ^gill Benício

Joana

Joana lamba as madrugadas
Não sente medo, de nada é amedrontada
Joana carrega com ela um único desejo
Vingar uma vida outrora saqueada.

Seus seios secaram causando dor
Os poros entupidos o pulmão bloqueou
Na cabeça Joana tem uma morte a dignar
Antes da hora ninguém perfilhará.

Sofre inopiosa a perda do miúdo carente
Um ente que nem sequer conheceu
Mas, por meses, dentro dela viveu.

Joana não mais chora, Joana é mãe agora.
Mesmo destratada segue o caminho da paz
Perecerá, por fim, o varão
Destituído e desabitado de coração.

Da tempestade Joana se despediu
Dos fios de cabelos arrancados
Joana fez um nó,
Joana fez um punhado.

O coração cruento assolado
Transita pequeno, transita acalentado.
Joana não pede, roga ou implora
Vagueia harmoniosa esperando a grandiosa hora.

Seus esforços serão poucos
Quase nada custarão
O próprio homem assinalou a sentença
Será a cunho, será a mão.

Suas mãos, no passado, abençoadas
Fazem dela, presentemente, uma alma desregrada
Por tempos o pai saqueador
Seu caminho alongou.

Joana prometeu,
Joana realizará
A vida apequenada tirará.

Ao avistar o mar ainda morno
Joana pensa em Maria, mãe de Jesus
Que não lagrimou o filho crucificado
Despreza-a! Seu momento faz-se mais sagrado.

No jardim de seu furacão
Impôs-se até uma condição
Não assentar nunca mais
Seu compassivo coração.

Apressa o passo a mulher
Respira ofegante, um pouco agoniada
Frente à calçada está a casa ambicionada.

Avança na direção norte
O dia clareado testemunhará
Todo seu horror adiado.

Adentra a casa rosa
Encontra a semente do mal
Lá há de enterrar
Longas formas de azar.

Por fim, clama o malfeitor
Dispara variadas vezes
Até fazer calar
O barulho ensurdecedor.

Resignada contempla o sangue no chão
Satisfeita ajeita os cabelos com as mesmas mãos
Puxa a porta e atravessa a avenida
Parte para sua jovem e lúgubre vida.